segunda-feira, 25 de outubro de 2021

JERÓNIMO DISSE O QUE ALGUM DIA TINHA DE DIZER

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Regresso quase em direto para registar as declarações de Jerónimo de Sousa mediante as quais o PCP se prepara para votar contra o Orçamento de Estado, abrindo assim caminho a uma crise política indesejável mas previsível (só não sabíamos era para quando).

 

Independentemente disso, e do acordo ou desacordo sobre os termos e os conteúdos do posicionamento expresso pelo secretário-geral do PCP, o certo é que ele terá feito hoje uma das mais estruturadas e coerentes intervenções da sua carreira, sobretudo ao chamar a atenção para o facto de que o que está em causa já não serem os detalhes, as pequenas ofertas e as cambalhotas com que a chamada “capacidade negocial” do primeiro-ministro procurou mais uma vez envolver e enlear os comunistas, ou seja, que o que está em causa é de natureza estrutural e não conjuntural.

 

Sim, eu sei que é bizarro que, em 2021, um país como Portugal esteja refém do voto do PCP, como sei que a posição hoje divulgada terá resultado das pressões da linha dura e mais ortodoxa no interior deste, mas deve também reconhecer-se que há momentos em que os princípios têm de ser chamados à colação (abençoadamente, diga-se!) e assim teria de chegar um dia em que os portadores dos mesmos tinham de dar um murro na mesa e fazer valer essa sua dama.

 

Ficou também claro quanto haveriam de emergir os limites para a arrogância otimista de Costa, a sua impotência estratégica e a sua desengonçada ginástica no sentido de conseguir verdadeiras quadraturas do círculo, mormente em função das linhas vermelhas que lhe são impostas por Bruxelas (por razões bruxelenses per se mas também por razões de ambição bruxelense própria que não podem ser esbanjadas às mãos de cedências demasiadas e incompreensíveis) e pelos investidores (estrangeiros e nacionais) que por cá vão criando riqueza.

 

Agora, e sem prejuízo da hipótese de um qualquer novo flic-flac à retaguarda que ainda possa vir a ocorrer (quem sabe se Costa não vai voltar a chamar Catarina Martins ou a inventar qualquer outra solução imediatista para o problema que está criado!), iremos provavelmente a eleições legislativas antecipadas (Marcelo avisou antes do tempo o que vislumbrava, não sei bem se apenas por razões precaucionistas ou mediáticas) e os nossos caminhos futuros mais próximos ficarão estranhamente dependentes do combate laranja a disputar entre Rio e Rangel — um combate que adquirirá o novo sabor de um cheiro a poder que não estaria nas melhores congeminações de cada um deles.


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

1 comentário:

  1. Parece, de facto, bizarro que Portugal esteja refém do voto do PCP, tanto mais que se trata de uma relíquia anquilosada e desfasada no tempo, sem lugar efetivo na sociedade ou no panorama político modernos, e que defende o impensável, muitas vezes sem fazer o menor esforço para explicar porquê.
    Terei gosto em que reflita comigo sobre o tema em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/10/matusalem-reliquia-comunista-portuguesa.html e me honre, depois, com o comentário que se lhe oferecer fazer.

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