quinta-feira, 21 de outubro de 2021

VINYL DE SETE FÔLEGOS

 

                            (Taylor Swift no programa de Jimmy Fallon)

(O ressurgimento do vinyl como suporte físico da divulgação musical é um assunto que me fascina, na dupla perspetiva de amante dos ditos, e não tem nada a ver com revivalismo serôdio, e de alguém que ensinou economia da inovação e que cedo percebeu que a inovação não é algo apenas tecnológico, mas indissociável do mercado. Mas, tal como a inovação na sua génese e confirmação é uma indeterminação, também o ressurgimento e resiliência de alguns produtos o é também.)

Já aqui me referi à morte anunciada e não confirmada do vinyl como suporte de reprodução musical nos anos 80 quando o CD irrompeu no mercado e pareceu determinar o definitivo arrumar das botas daqueles artefactos, alguns com capas deliciosas de fazer encher o olho de prazer e contemplação, algumas das quais quase se substituindo ao conteúdo musical. Por precaução, não mandei para o lixo ou para as feiras de velharias o meu material, que foi, entretanto, sendo paulatinamente suplantado pelo acumular de CD’s, algo que entretanto se tornou incompreensível para a geração dos meus filhos que se divertem a aproveitar a maluqueira do Pai.

Nos tempos mais recentes assistiu-se a uma estranha evolução da corrida entre os suportes musicais. A corrida para o primeiro lugar parece estar ganha, vá lá saber-se para sempre ou se apenas circunstancialmente, pelos suportes em streaming, que poderíamos classificar como a progressiva desmaterialização do disco. Tenho de vos confessar que, quando encomendava da Presto Classical no Reino Unido algumas preciosidades que o nosso mercado de caca impede que nos visitem (hábito que se tornou proibitivo com a estupidez do BREXIT e com a probabilidade elevada e ridícula de ter de desalfandegar encomendas de 40 euros, mesmo que on line), tenho dificuldade ainda hoje de perceber algumas das modalidades de desmaterialização digital que estão disponíveis para download.

A novidade não está, por conseguinte, na corrida para o primeiro lugar, mas sim para o segundo e aí o vinyl está a suplantar o CD, com larga margem, transformando-se surpreendentemente na principal modalidade de suporte físico de reprodução musical. A mudança é sobretudo visível no mercado americano. O New York Times referia há dias (link aqui) que nos primeiros meses de 2021 tinham sido vendidos nos EUA 17 milhões de discos vinyl e dando origem a 467 milhões de dólares de vendas a retalho, para um desempenho de 16 milhões de CD’s e uma geração de receitas de retalho de apenas 206 milhões de dólares. No mercado interno americano, o streaming vale 84% do rendimento gerado pela indústria discográfica. Retiro daqui a minha primeira conclusão. A corrida Vinyl – CD é meramente simbólica, já que a diferença entre o primeiro e o segundo é de tal maneira gritante que só no domínio do simbólico e do fetichismo do consumidor pode ser compreendida.

Mas há questões do domínio da tecnologia que interessa aqui invocar para secompreender fielmente o que está a acontecer.


                                             (NovaFidelity X14 - Streamer Amplificador Cocktail Audio)

Com o advento irreversível e em força do streaming, sucederam-se as inovações tecnológicas, com vários formatos de acesso às diferentes assinaturas possíveis de portais de música (SPOTIFY, TIDAL e outros). Este vosso amigo não resistiu a uma dessas preciosidades (ver imagem acima). Trata-se de um dispositivo de ligação à internet que permite o acesso às assinaturas streaming tipo SPOTIFY ou TIDAL e que além disso permite gravar (ripping) todos os CD’s que se possua pois a sua capacidade de armazenamento com um disco interno de preço acessível é perfeitamente confortável para essa ambição. Tenho assim em curso de gravação o meu vasto espólio de CD’s, podendo através desta pequena máquina usufruir em Seixas da discografia que tenho em Gaia, enquanto trabalho e contemplo o Minho e Santa Tecla.

Mas apesar desta frivolidade útil, que se aloja com toda a simplicidade numa estante de pequena dimensão, o meu fetiche pelos vinys tem acompanhado a tendência (está estudado o efeito gozo que resulta de estar na onda e de nela participar).

Mas o ressurgimento simbólico ou nem tanto do vinyl não se concretiza sem sobressaltos ou fortes constrangimentos. E aqui a tecnologia é de novo importante. O que acontece é que o ressurgimento do artefacto tem acontecido sem qualquer inovação tecnológica de suporte. Tem-se assistido sim à recuperação de modelos antigos de reprodutores de vinys, os icónicos gira-discos da nossa adolescência. Confesso-vos que tenho mirado com volúpia o regresso dos gira-discos automáticos (a Thorens tem uma maravilha por menos de mil euros), mas para além disso o ressurgimento é tão só isso.

Compreensivelmente, a dinâmica da procura determina hoje fortes dificuldades à produção dos ditos vinys que continua a não permitir grande escalamento de produção, podendo hoje falar-se de alguma escassez de oferta. Os problemas de perturbação da cadeia de valor global e de produção de alguns produtos intermédios, atingiram também a produção de vinys e contam para o problema, assim como o encerramento de algumas fábricas produtoras do artefacto. Mas para além desses problemas, que podem ser pontuais ou ganhar espessura de tempo, o problema é que o ressurgimento da procura encontra um sistema de produção praticamente igual ao do seu lançamento. Diria que o caráter simbólico e fetichista desse ressurgimento vai melhor com essas dificuldades. Mas a falta de novos suportes, com outra capacidade de produção, pode até eventualmente determinar que o ressurgimento seja datado, simplesmente.

Mas o que é curioso é que o marketing e comunicação dos artistas recorre frequentemente ao símbolo vinyl como material de comunicação (imagem de Taylor Swift a fazê-lo em plena televisão).


Para manter o tom, vou deliciar-me com duas aquisições recentes: Café Montmartre de Stan Getz e as fabulosas Cello Suites de Bach na interpretação de Yo-Yo Ma, que ouvidas em vinyl adquirem um outro sabor.

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