(A publicação do relatório anual 2021 do FMI, link aqui, subordinado ao título BUILD FORWARD BETTER, acontece num momento em que a sua Diretora Executiva, a búlgara Kristalina Georgieva está a ser alvo de uma investigação por alegada viciação de comportamento quando foi Diretora Executiva do Banco Mundial. A Diretora do FMI é alegadamente acusada de ter pressionado funcionários daquela instituição envolvidos no célebre relatório DOING BUSINESS presumidamente em favor da China. Vamos tentar ficar fora dessa questão, pois o relatório do FMI 2021 merece uma visita, já que nos apresenta pelas lentes de uma instituição internacional o estado do mundo desejoso de recuperar económica e socialmente da pandemia. De qualquer modo, a Diretora do FMI tem sido tudo muito cristalina por onde tem passado, Comissão Europeia, Banco Mundial, candidatura à ONU em concorrência com António Guterres e agora FMI, não tendo informação do que terá deixado pela sua Bulgária, pelo que o assunto não pode ser ignorado).
Registe-se, entretanto, que o tal relatório do Banco Mundial que suscitou a auditoria de um escritório de advogados independente que deu origem à investigação é das tais publicações onde parece tudo acontecer e de mal. Sabemos apenas que o Banco Mundial decidiu descontinuar a publicação que existia desde 2003 (ver notícia no Guardian, link aqui) e não terá sido seguramente por obsolescência ou cansaço. Foi no âmbito desse Relatório que começaram os problemas de Paul Romer, então ainda não Nobel de Economia, como Economista-Chefe do Banco Mundial que se insurgiu contra a falta de transparência com que o índice global que suportava o Relatório era alterado. Na altura era o Chile que estava em cheque e agora pelos vistos é a China. O motivo é óbvio. O DOING BUSINESS classificava os países segundo as condições favoráveis ou desfavoráveis ao mundo dos negócios e do investimento internacional, pelo que contém sempre matéria controversa e de grande delicadeza dadas as diferentes condições de regulação que a economia e o mercado têm por esse mundo fora.
Mas a fotografia de Kristalina nas páginas iniciais do Relatório do FMI, altiva, altaneira e toda sorrisos parece querer dizer-nos que tudo isto é fumaça e que a instituição vai pelo melhor. Veremos.
O Relatório 2021 vale sobretudo pela passagem a letra de instituição internacional de algumas evidências pós-pandémicas que ensombram quaisquer ventos de recuperação que estejam por aí a disseminar-se.
Logo na apresentação, pode ler-se preto no branco que:
“Quase metade das economias de mercado emergentes e em vias de desenvolvimento e alguns países de médio rendimento estão agora em risco de ficarem para trás, anulando muito do progresso alcançado no sentido de atingir as Metas da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. No interior dos países, a desigualdade está também em alta, os trabalhadores têm menos qualificações e os jovens, mulheres e os que têm emprego informal estão a sofrer quedas de rendimento desproporcionadas”.
Penso que não pode ser-se mais claro. Gostaria que desta clareza de colocação do problema, a instituição reformulasse com a mesma objetividade a sua maneira de estar no terreno e de ajudar para ser coerente com este diagnóstico. Claro que é importante generalizar a fórmula “Faz o que for necessário mas guarda os recibos”, já que ajuda e “accountability” devem estar indissociavelmente ligados. Mas mesmo nesse quadro de exigência de transparência os problemas atrás referidos obrigam a uma revisão profunda dos objetivos da assistência e do financiamento.
E o tema da Grande Divergência que nos últimos tempos associávamos ao digital e à sua disseminação, assume agora proporções que exigem uma nova avaliação dos ventos da recuperação:
“As recuperações da pandemia estão a divergir perigosamente entre países e no seu interior, com marcas de longa duração provavelmente mais fortes para os países com vulnerabilidade preexistentes e recursos reduzidos para o estímulo fiscal, investimento na vacinação e formação da força de trabalho. Diferenças nas taxas de vacinação e nas respostas da política fiscal e monetária estão na origem da divergência. Esses processos divergentes de recuperação estão a aumentar os gaps de bem-estar e de condições de vida em vários países, com o risco de quase metade das economias emergentes e em vias de desenvolvimento e alguns países de médio rendimento ficarem para trás”.
Vou reler o Relatório mas fiquei com a sensação de não ser nada claro o que é que o FMI fez realmente de diferente neste último ano e meio pandémico para ser consequente com esta Grande Divergência.
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