(Reajo às notícias dos jornais de hoje que anunciam pomposamente a apresentação de um Plano para marcar a ambição que falta à economia portuguesa, das quais a mais apetitosa é a do Público que coloca na primeira página esta preciosidade – “Sedes avança com plano que requer “sacrifícios” para o país duplicar o PIB”. Irritam-me solenemente estas proclamações sem que o documento esteja distribuído e público, anunciando-se que será presente ao Presidente da República no fim do mês de agosto. Por isso, este primeiro comentário tem as limitações dos filtros diversos que certamente a nossa comunicação social colocou ao documento, mas dada a projeção que as notícias e as declarações de Álvaro Beleza assumiram no dia de hoje o comentário impõe-se, ressalvadas as suas limitações.
Confesso que tenho alguma dificuldade em compreender quer o papel da SEDES na sociedade portuguesa de hoje, quer a motivação dos seus principais protagonistas. E, verdade seja dita, a liderança atual de Álvaro Beleza ainda agudiza mais as minhas interrogações.
Talvez injustamente, mas aqui vai mesmo assim, tendo por vezes a achar que a SEDES é uma espécie de Maçonaria em que os seus membros não gostam de usar avental. Tenho dificuldade em identificar os destinatários das mensagens e propostas que a organização verte para os seus documentos e eventos, sobretudo encontros e debates. Não se compreende bem sobre que forças da sociedade portuguesa pretende a SEDES fazer desenvolver as suas ideias. Conhecem o meu ponto, já bastantes vezes vertido neste blogue, que o fundamental de uma estratégia ou de um plano com ambição para Portugal não depende tanto dos objetivos, que têm sido múltiplos e variados sobretudo a acompanhar os períodos de programação plurianual dos Fundos Europeus, mas antes na transição que é necessário consagrar a partir de uma situação de partida. Como é compreensível, uma situação de partida não pode ser globalmente transformada. É necessário escolher criteriosamente os pontos de mudança e são essas dinâmicas seletivas de mudança que devem animar posteriormente todo o processo.
Regra geral o que ressalta dos pronunciamentos SEDES são grandes e globais solilóquios de transformação, sendo depois difícil compreender quem puxará a mudança e sobre que forças residirá a animação de todo o processo.
Nas notícias de hoje, “ambição” e “sacrifícios” são as palavras mais citadas, tudo com o propósito de colocar a economia portuguesa numa trajetória de crescimento que a retire da relativa anemia que sobretudo a partir de 2000 se instalou no padrão de crescimento português.
Já falei dos filtros que os jornais de hoje seguramente colocaram na leitura do documento e na sua apresentação para o público. Mas, no meio do que é anunciado como um pacote de cinquenta e tal medidas, topo imediatamente com a baboseira do costume – choque fiscal, descida de impostos, mais crescimento económico, mais receita fiscal. Caros procrastinadores da SEDES poupem-me a irritação e expliquem-me por favor se há ou não alguma seletividade anunciada nessa descida de impostos, pois do ponto de vista global não conseguirão encontrar evidência segura para suportar essa receita.
O nome do economista Professor Abel Mateus é bastantes vezes citado nessas notícias e compreendo o filme. O Professor Abel Mateus é certamente uma alma mal aproveitada pela democracia portuguesa, tem obra relevante sobre a economia portuguesa, tem-se afastado progressivamente de visões mais intervencionistas que o PS tem protagonizado, está no seu direito, mas nunca li nem ouvi da sua parte uma explicação cabal e coerente da receita da descida de impostos. Receio por isso que alguém que gosta de marcar a sua diferença em relação ao mundo da política acabe por aderir a uma tese que tem algo mais de política do que de teoria económica sujeita a teste empírico.
Fala-se muito da carga fiscal, relativamente elevada da economia portuguesa, mas fala-se menos da sua desigual distribuição e do sério problema da estreita base fiscal (poucos pagam impostos). E fala-se também muito pouco do fator que compensa relativamente esse peso fiscal que consiste na baixa norma salarial que ainda domina largas franjas da economia portuguesa, sobretudo no plano comparativo da União Europeia. Por isso, talvez mais do que um choque fiscal deveria talvez falar-se de um choque salarial com as suas repercussões positivas em procura de inovação nas empresas (espera-se que os atuais problemas de rarefação de mão de obra possam conduzir também a esse choque-inovação).
Novidade é a alusão ao tabu do nuclear, sendo necessário ler o documento para compreender as condições em que tal opção seria retomada.
Com menos novidade, erguem-se as posições conhecidas da SEDES quanto á reforça da segurança social, da justiça e do sistema político e “brilhante” é a resposta de Álvaro Beleza à pergunta de Ana Sá Lopes – “Como financia o Serviço Nacional de Saúde e a escola pública?”: Baixando a carga fiscal haverá maior crescimento, logo mais receita. Com mais crescimento, vamos ter uma melhor saúde e educação para todos. A SEDES defende que a educação universal deveria começar aos três anos, com creches gratuitas para todos os que vivem em Portugal”.
Desculpe, vou você que pediu uma baboseira? Um partido político não faria melhor.
E do grupo de trabalho que tratou do ensino superior e da investigação e desenvolvimento, fala-se da criação de programas para executivos e de um programa de colocação de doutorados em empresas, com benefícios fiscais para estas. Também aqui há material requentado.
Espero que o documento traga melhores impressões do que esta filtrada apresentação na comunicação social.
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