sábado, 6 de agosto de 2022

QUEM VAI AGORA EXPLICAR-ME A POESIA DO MUNDO?

                                                                                 


(Breve e esporádico regresso ao Porto, leitura de jornais na minha esplanada de bairro, junto à livraria local, várias notificações digitais provenientes de vários jornais que sigo regularmente chegam-me ao telemóvel, e todas convergem, trazem-me a desgraçada notícia de que a Ana Luísa Amaral não está mais entre nós. Rapidamente uma sensação de grande vazio apodera-se de mim e uma pergunta forma-se lentamente mas consolidada na minha cabeça – quem é que vai explicar-me agora, com o sentido analítico que só a ALA nos transmitia, a poesia de todo o mundo?)

Cheguei tarde à poesia e foi a diversificada atividade comunicacional da Ana Luís Amaral que operou esse feito. Não consigo reproduzir a caterva de poetas do mundo dos quais a sábia exegese da poeta nortenha me aproximou, com destaque para a descoberta a partir da sua reflexão da americana Emily Dickinson e que me permitiu também ir conhecendo a sua própria obra. Mais recentemente, os programas que a Ana Luísa Amaral fazia com o Luís Caetano na Antena 2 eram um verdadeiro hino à descoberta de poetas para nós desconhecidos, com relevo para a poesia americana e latino-americana.

Depois de um longo período em que a ALA era mais conhecida e valorada em Espanha e no El País do que em Portugal, foi necessário que lhe fosse atribuído um importante prémio em Espanha para que os jornais portugueses reconhecessem a personalidade, a obra, o poder de comunicação e de interpretação para o público dos versos mais enigmáticos, sempre com o papel da Mulher e a denúncia de todas as subordinações e desigualdades a suscitar a nossa atenção.

A Professora Fátima Vieira, na anterior e na atual equipa reitoral da Universidade do Porto, foi-lhe dedicando cada vez mais atenção, contribuindo para a queda desse muro de indiferença que os Portugueses teimam por vezes manter em relação a muitas das nossas personalidades de eleição. Afinal a ALA tinha uma profunda ligação à Faculdade de Letras do Porto e ninguém parecia reconhecer essa importância.

Doença maldita que a generosidade comunicacional da poetisa sempre ocultou (daí a minha surpresa-choque) e que retira da nossa proximidade alguém crucial para difundir a poesia a partir da sua própria obra e da sua capacidade de leitura e interpretação notável da Grande poesia dos outros, numa modéstia e reverência que ocultava a qualidade do que escrevia e publicava.

Quem vai agora explicar-me a poesia de todo o mundo?

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