Hoje venho aqui para me tentar arvorar em denunciante da ingrata posição que indecorosamente é proporcionada a um casal português de classe média-baixa com filhos(as) adolescentes de idade entre os 15 e os 18 anos, um casal daqueles que ainda abundam na nossa sociedade e não pertencem à menor gama de congéneres que, ou porque têm acesso a informação/bolsa privilegiada ou porque têm vontades previamente definidas no sentido de um filho continuador do escritório/negócio do pai ou titular de um curso que ostente a família a preceito, se veem e desejam para orientar (quando não apenas participar ou, até, compreender) as possíveis opções de carreira estudantil e académica do(a) descendente.
Tenho-me deparado, desde há já bastante tempo e de modo cumulativo, com dezenas dessas situações das mais diversas cambiantes mas todas imobilizantes e bem elucidativas de um pesadelo que brada aos céus: há os que não sabem o que escolher em termos de grande área de estudo a seguir na passagem do 9º para o 10º ano (seja porque gostam de demasiadas coisas e se sentem tão estranhos por essa sua apetência à multidisciplinaridade quanto incapazes de assim optar, seja porque não gostam da disciplina A ou B simplesmente porque sim ou porque o respetivo professor liceal era bruto ou antipático, seja porque acham que querem desempenhar profissões mais ou menos convencionais e imaginadas sem delas terem a suficiente informação e muito menos a terem sobre hipóteses alternativas, sea lo que sea) e há os que não sabem bem o que fazer em termos de acesso à universidade (seja porque não têm nota que chegue para acederem a Medicina ou outro curso do género em que as médias de entrada excedem largamente os 18 valores, ora porque se distraíram no 10º ano ora porque são muito bons alunos mas são batidos no acesso pelos concorrentes que “compraram” notas em colégios particulares pagos a peso de ouro pelos respetivos progenitores ora porque há insuficiente convergência e informação das faculdades quanto às complementaridades entre cursos e às possibilidades de futuras transferências entre eles, sea lo que sea).
A situação é mesmo terrível, creiam-me aqueles que com ela ainda não convive(ra)m. Terrível para os jovens em questão, sobretudo quando conscientes e desejosos de organizarem para si próprios um futuro atrativo, terrível para os pais, sobretudo quando perdidos na sua incapacidade de ajudarem os filhos (e com a frequente agravante de uma dimensão financeira que os tende a empurrar para situações quase impossíveis em que os acabam por enviar a qualquer custo (pessoal e afetivo ou de endividamento) para o exterior (Espanha, em especial) ou para privadas de qualidade absolutamente deficiente ― vindo mais tarde a descobrir, tardiamente, que alguém lhes vendeu gato por lebre!), e terrível para o País que assim se vai enganando nesse falso autoconvencimento de que tudo rola sobre esferas numa matéria em que estão em causa as vocações/realizações dos seus cidadãos mais jovens (aqueles que constituirão a próxima geração ao comando) e as capacidades que se lhes disponibilizam no sentido de um efetivo e rigoroso matching entre a criação de condições suscetíveis de lhes conferir um futuro radioso e uma consonante adequação às mutações tecnológicas e societais e às reais necessidades do desenvolvimento do País.
É tempo de alterar todo este estado de coisas. Já vamos, aliás, demasiado tarde. No que me toca, ainda cheguei a acreditar que a titularidade ministerial do meu amigo Manuel Heitor seria o momento azado para que uma tão óbvia reforma pudesse acontecer, num quadro acompanhado pela devida transparência e participação; mas, afinal, a sua passagem por esta área governativa constituiu uma completa deceção, traduzida na entrega do Ensino Superior a um Secretário de Estado com agenda local (a primeira “ajudante” que convidou, Fernanda Rollo, poderá ter sido dispensada por pensar demais sobre temas incómodos) e a inexistência visível de qualquer esforço no sentido de sequer forçar alguma necessária articulação temática com o domínio da Educação (onde Tiago Brandão Rodrigues também se deixou apanhar pelo fútil e pelo infraestrutural, ao invés do que seria uma imperiosa atenção à centralidade dos conteúdos). Agora temos Elvira Fortunato e João Costa em exercício, duas esperanças que temos de encarar como renovadas e a quem quero apelar no sentido de que possam abrir as trancas à porta do corporativismo e da inércia, não se deixando assim capturar pelo antirreformismo que os cerca ― porque nenhum mesquinho preço político de curto prazo pode compensar o enorme passivo decorrente das crescentes frustrações dos nossos jovens nem muito menos o “buraco” associado a uma falta de preparação competente e minimamente condigna do nosso futuro coletivo...
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