sexta-feira, 26 de agosto de 2022

(DES)GOVERNO DE AGOSTO

                                                                                     

                                                                                    

(A canícula qb assentou arraiais por Moledo e Seixas, a nortada dissipou-se de repente e emergiu um dia de praia dos antigos, sugerindo alimentação mediterrânica, salmorejo, muito tomate e saladas, a frescura da fruta e vinho branco de qualidade e na matéria muito para escolher, com a mineralidade do Granit Soalheiro muito à frente. Neste fim de férias prazenteiro, a puxar para uma postura de lagarto remoendo o doce sabor da inércia, dou comigo a pensar nos que têm a governação à perna, enfrentando uma comunicação social ávida de poder elaborar sobre alguma coisa que justifique o foco das notícias. Por estes dias, duas mulheres da governação que muito aprecio, tão diferentes uma da outra, foram zurzidas até ao infinito, é a vida, suscitando por isso o meu comentário. Mariana Vieira da Silva, primeira-ministro em exercício enquanto António Costa foi a banhos e Patrícia Gaspar, Secretária de Estado da Proteção Civil obviamente que não ensandeceram, limitaram-se a ter o seu momento zen que sempre acontece aos homens e mulheres da governação, é tudo uma questão de tempo e de oportunidade. A minha apreciação positiva destas duas personalidades não vai alterar-se, mas de qualquer modo, neste dia de canícula moderada, coube-lhes em sorte ser comentadas neste blogue.

Se há duas personalidades contrastantes pelo ar de governação que transmitem, Mariana Vieira da Silva e Patrícia Gaspar ilustram exemplarmente a diversidade da alma feminina ao serviço da política.

A primeira é uma número dois de António Costa que parece ter tudo permanentemente controlado, evidencia uma capacidade de trabalho e de dádiva notável, embora dê comigo frequentemente a pensar com os meus botões que um pouco de agitação e de atuação fora da caixa talvez faça falta aquela personalidade. Estou certo que a Mariana nunca seria apanhada em situação similar à da primeira-ministra finlandesa e é isso que me choca, não gosto de figuras de porcelana na governação, gosto de homens e mulheres que errem e se desinibam por vezes, pois considero que o politicamente correto quando levado ao exagero é tóxico. Mas, de qualquer modo, tenho imensa confiança nas suas capacidades de coordenação e trabalho e por isso a destaco.

A Patrícia Gaspar é daquelas mulheres a quem seguiria sem hesitações se em qualquer situação de risco ela estivesse a liderar. O duo José Luís Carneiro – Patrícia Gaspar inspira-me confiança que baste e, embora as dificuldades do contexto político não se tenham reduzido, antes pelo contrário, tudo se passa como se aquela animosidade permanente que resultava da atuação do ministro Cabrita se tivesse dissipado.

Pois estas duas grandes Mulheres estiveram em foco esta semana com declarações deslocadas, infelizes, sem sentido, como quiserem classificar o seu momento mediático.

Mariana Vieira da Silva, numa espécie de mimetismo daquele otimismo irritante que só António Costa tem reais condições para praticar, saiu-se com a afirmação de que com as intervenções previstas para estarem concluídas até fins de 2023, o Parque Natural da Serra da Estrela ficaria certamente melhor do que estava antes da tragédia dos incêndios que assolaram e destruíram aquela área protegida numa proporção significativa. É um erro de avaliação de palmatória, sobretudo pelo que representa de apreciação exacerbada das medidas que vão ser implementadas pelo Governo para fazer face a tal tragédia. A dimensão da destruição observada justificaria, antes pelo contrário, um apelo de grandes proporções à valorização do interesse coletivo que um Parque Natural como o da Serra da Estrela deveria representar. É óbvio que se trata de uma questão do Governo, mas não só do Governo. A minimização do risco de acontecimento semelhantes no futuro obriga a uma dinâmica coletiva de proteção e valorização, perdendo a primeiro-ministro em exercício uma oportunidade rara para apelar a essa dinâmica de concertação, estabelecendo com rigor o que o Governo estaria disposto a avançar para animar esse processo. Admitir que a valorização/proteção de um Parque Natural equivale a um puro ato político descendente do governo para o território é uma conceção que cheira a naftalina. E, gente que sabe mais destas coisas do território de incêndios do que todos os amadores deste mundo, como o Professor Xavier Viegas, explicou oportunamente aos jornalistas e a todos nós que as condições da Serra da Estrela (declives, inacessibilidades associadas, momento climático e de temperatura-humidade naquela semana) justificavam uma maior modéstia de expectativas quanto ao potencial da intervenção, por mais competente e rápida que tivesse sido, como aparentemente o foi.

O momento mediático de Patrícia Gaspar foi de natureza diferente. A Secretária de Estado limitou-se a invocar, despropositadamente atendendo ao contexto, um algoritmo frequentemente utilizado em estudos de proteção civil e de incêndios e outros fenómenos naturais, que com base em determinadas variáveis de contexto, permite confrontar estimativas de área ardida resultantes da sua aplicação com a dimensão real de área ardida medida pelos critérios mais generalizadamente aceites. Estou seguro que a Secretária de Estado pretendia dizer que, para as variáveis conjugadas neste período, a intervenção de combate terá evitado piores situações. O que poderia ter sido dito sem atribuir ao tal algoritmo o determinismo expiatório que pareceu resultar das suas declarações.

Em meu entender, ambas as governantes falharam por colocar a fasquia das expectativas da intervenção pública, operacional e estratégica, muito acima do que a evidência científica e técnica hoje permite. Claro que os discursos tontos, populistas e demagógicos de uma certa oposição tudo farão para navegar nessas ondas. Mas jogar esse jogo equivale à morte do artista.

E uma pergunta final impõe-se.

Mas que raio anda a fazer o novo responsável pela comunicação do governo? Alguém já deu conta da sua presença? Há quem fale de desgoverno de agosto, mas para mim vamos ter mais um enorme flop de contratação pública. Em termos do escrutínio público deste tipo de contratações, gostaria de perceber melhor o que tem feito o dito cujo.


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