(Quem passa férias cá por cima pelas bandas do Alto Minho sabe de crónica anunciada que, frequentemente, depois de uma pressão inusitada de calor vêm os nevoeiros e quase simultaneamente os assomos da nortada. É assim, apesar das incómodas surpresas das alterações climáticas. O que dá muito jeito para que o corpo e as casas recuperem da onda de calor, que se controlem os danos daquela parte do corpo que ficou inadvertidamente sem protetor solar, os pés, os joelhos e outros, ou de uma bolha surgida pelo uso não ponderado de uns sapatos ou sapatilhas que necessitariam de cuidados especiais. É neste contexto anunciado que vou acumulando as minhas reflexões estivais, relativamente leves, embora não longínquas dos meus temas de estimação…)
Há um tema que me vai martelando a cabeça e que se prende como o mundo em geral vai ou não ser resiliente face aos efeitos da guerra, mais continuada do que todos desejaríamos, primeiro porque os Ucranianos são bravos que se fartam e, segundo, porque a identificação de uma solução política para o conflito acaba por ser mais complexa do que as combinações tático-estratégicas nos diferentes teatros geográficos das operações.
A primeira reflexão vai direitinha para esta ideia central: à desigualdade profunda observada no mundo correspondem obviamente efeitos muito desiguais consoante o quadrante ou bloco.
Assim, por exemplo, o mundo mais pobre implora a proteção divina para que os barcos partidos dos portos do Mar Negro com cereais cheguem ao seu destino e contribuam minimamente para regularizar a oferta mundial desses bens essenciais, afastando cenários de fome imediata, devastadora e impiedosa. Pelo contrário, no mundo mais desenvolvido e avançado, discute-se se as ameaças ao bem-estar material das populações decorrentes do conflito irão provocar disrupções sociais e políticas nesses países, transformando essa queda de bem-estar em combustível de deflagração dos populismos mais extremos.
Em recente entrevista de Branko Milanovic a James Pethokoukis do American Enterprise Institute, (link aqui) à pergunta “Porque é que o crescimento económico é tão importante? Não alcançamos já o suficiente e podemos apenas redistribuir o que temos?” o economista sérvio-americano responde brilhantemente com esta observação:
“Nunca alcançaremos o bastante porque o desejo humano para a “melhoria” (betterment), como Adam Smith o designava, não tem limites. Se tivéssemos um apetite limitado por todas as coisas poderíamos imaginar uma sociedade estacionária. Mas as nossas necessidades não são fisiológicas; são socialmente determinadas. Todo o desenvolvimento cria novas necessidades. Não tínhamos qualquer apetência por telefones móveis antes deles existirem. Mas temos hoje essa necessidade. Não temos a necessidade de voar para Marte num próximo fim de semana (embora Elon Musk possa senti-lo). Achamos que é relativamente bizarro ter hoje essa necessidade. Mas em várias gerações não será assim tão bizarra. Será algo de semelhante à nossa necessidade de ir passar férias a Itália ou ao México. Assim, crescimento económico e necessidades desenvolvem, se assim pode dizer-se uma relação dialética: mais crescimento cria novas necessidades que requerem mais crescimento para as satisfazer. Isto não tem fim.”
Esta reflexão de Milanovic traz-nos uma grande profundidade de implicações e as alterações climáticas e o aquecimento do planeta estão no centro dessas implicações. Estamos a falar de necessidades de alterações que colidem com o racional do capitalismo e de como ele desenvolveu um padrão infernal de renovação eternizada de necessidades. E as abordagens e propostas para superar tais desafios inscrevem-se no tema da última obra do economista sérvio-americano “Capitalism alone”, ou seja não contemplam qualquer revolução radical de modos de produção e de organização social. Daí a sensação de chover no molhado e de grande insensibilidade das populações à mudança de comportamentos que as propostas em cima da mesa implicariam.
É também nesse plano que poderemos entender a “caída na real” (como os nossos amigos brasileiros diriam) que os cidadãos britânicos estão a experienciar à medida que o encalhamento do BREXIT está a consumar-se. O populismo do LEAVE imaginou que bastariam umas promessas de regressos imperiais e de assomo da nacionalidade insular para aguentar o encontro fatal com a realidade. Mas não é assim. O crescimento económico britânico criou novas necessidades embora num mundo britânico cada vez mais desigual. Essas novas necessidades não estão a ser satisfeitas e a economia britânica caminha aceleradamente para a estagnação.
E perante este cenário o que temos pela frente em matéria de sucessão de Boris Johnson: um conservador e uma conservadora que se limitam a reagir pavloviamente dizendo “menos impostos, menos despesa pública”.
Poupem-me a tanta estupidez de elite.
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