segunda-feira, 15 de agosto de 2022

A INFLAÇÃO AMERICANA É DIFERENTE, PORQUÊ?

                                                                                         

                                        (Illustration by The New York Times; image by CSA Images via Getty Images)

(A Administração Biden regozija com os dados da inflação mensal zero, relativamente ao mês anterior não se registou qualquer variação do nível de preços[1], embora a inflação central ou core permaneça ainda claramente acima dos 2% e a inflação anualizada persista com valores elevados. Mas tudo indica que os valores da inflação mensal querem dizer alguma coisa e, como os valores do emprego estão melhores do que o esperado, a suspeita de estagflação parece não ter confirmação prolongada. O que significa que, com a aprovação pelas duas Câmaras da legislação para as mudanças climáticas, a Administração Biden alimenta expectativas claramente razoáveis de que a situação macroeconómica global não vai dar grandes trunfos aos Republicanos. Talvez por isso Trump esteja a incitar ao boicote das eleições intercalares. O comportamento aparentemente positivo da inflação americana, e dificilmente ele será devido à política restritiva de subida de taxas de juros do FED, pois teve pouco tempo para se manifestar, suscita porém a grande interrogação de saber por que razão na Europa e no Reino Unido não existe tanto otimismo nessa matéria...)

A história macroeconómica recente parece repetir-se. A economia americana precede tudo e todos, anuncia problemas, mergulha primeiro nos mesmos, diferencia-se da economia europeia e consegue saídas mais rápidas.

A pergunta óbvia é porquê?

Dir-me-ão alguns que tudo se deve à tão propagada flexibilidade da economia americana. Neste caso, o argumento não me convence. Num processo inflacionista ditado essencialmente por fatores externos (guerra na Ucrânia e crise energética associada, fortes disrupções das cadeias de valor mundiais e da oferta internacionalizada), diria que a tal flexibilidade tenderia a pontuar na fase de aceleração inflacionista, como aliás se verificou, e não na sua reversão. Para além disso, uma economia como a americana tão flexível tenderia mais rapidamente a internalizar o fenómeno por via da relação salários-preços, mas nem isso foi tão evidente como isso. O mesmo se poderia dizer quanto à formação de expectativas inflacionistas a longo prazo, mas nem isso se verificou também, e os últimos números mostram-nos que nas expectativas de preços a mais longo prazo os preços estão a diminuir e não a subir.

A que se deverá então este desanuviamento inflacionista de que a inflação mensal e as expectativas de variação de preços a longo prazo são os indicadores mais determinantes?

Creio que, em primeiro lugar, a componente da subida do preço da gasolina foi mais rapidamente atacada do que na Europa com a Administração Biden a conseguir mexer nas reservas internas petrolíferas e isso terá contado muito para a desaceleração observada dos preços. Os jornais americanos dão conta que, nos últimos dias, a gasolina já terá descido abaixo dos 4 dólares o galão e isso basta para repor expectativas entre os americanos.

Depois, admito que pela força que a sua oferta representa a economia americana terá sido a primeira a beneficiar do desanuviamento disruptivo das cadeias de valor e da oferta internacionalizada.

Não podemos esquecer ainda a continuada apreciação do dólar observada na sequência do realinhamento das moedas reserva a nível internacional, o que em si constitui um fator que alinha pela desaceleração de preços de produtos importados.

E, finalmente, embora não haja consenso entre os macroeconomistas, poderá dizer-se que a intervenção restritiva do FED USA foi mais rápida do que a seguida pelo BCE, criando possivelmente a hipótese de uma aterragem (recessão) mais suave para a economia americana.

De tudo isto, o único facto positivo para a economia europeia e portuguesa em particular é que também por cá a partir de junho os preços dos combustíveis começaram a baixar, colocando na pressão inflacionista um fator de desanuviamento. Mas, de qualquer modo, tudo indica que o fenómeno será mais prolongado na Europa do que nos EUA. Mas mesmo assim, como Ricardo Cabral recorda hoje no Público, o desempenho da economia portuguesa em termos de crescimento em 2022 será bastante robusto, apenas com a crónica anunciada do aumento do défice externo a morder os calcanhares dos mais prazenteiros.



[1] A variação do índice corrigida por variações sazonais foi mesmo negativa, -0,2%, o que não acontecia desde maio de 2020 como o sempre perspicaz Matthew Klein o assinalou pertinentemente (link aqui), tudo indicando que os valores anualizados não refletem a efetiva tendência inflacionária.

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