quinta-feira, 4 de agosto de 2022

AS NOSSAS FAMÍLIAS

(Eduardo Estrada, https://elpais.com)

Foi ontem divulgado pelo INE (num trabalho que é realizado em conjunto com o Banco de Portugal) o “Inquérito à Situação Financeira das Famílias” relativo a 2020. Dele se inferem diversos dados interessantes, dos quais escolho enfatizar aqui, pela sua simplicidade e pela sua maior facilidade de perceção, os seguintes seis:

  • a riqueza líquida média por família ronda pouco mais de 200 mil euros (1026,8 mil euros para o conjunto das 10% com maior riqueza líquida contra apenas 1,6 mil para os 20% abrangidos no percentil dos 20% mais pobres);
  • as famílias pertencentes ao percentil das 10% com maior riqueza líquida detinham, assim, 51,2% do total da riqueza em 2020;
  • percentagem média de proprietários da habitação principal é de 70%, sendo superior a 90% em quatro das seis classes de riqueza líquida (a classe mais pobre limita-se a apresentar um valor de 8,3%);
  • valor médio da dívida dos agregados portugueses situa-se em cerca de 25,1 mil euros (com o rácio entre a dívida e os ativos a fixar-se nos 24,9%, mas com o grupo dos mais pobres a registarem uns preocupantes 85,9%);
  • dívida mais comum das famílias respeita às hipotecas da residência principal (30,5% dos agregados), sendo que a percentagem de famílias com empréstimos garantidos pela residência é superior a 30% em todas as classes de riqueza com exceção da mais baixa.
  • ativo mais importante da riqueza das famílias portuguesas é a residência principal, com exceção da classe mais elevada (caso em que os ativos reais são mais diversificados e a residência principal, os outros imóveis e os negócios por conta própria representam individualmente cerca de um terço do património).

Desigualdade, pobreza e endividamento malsão, juntamente com um conservadorismo tornado obrigatório e uma persistente resistência das evoluções temporais, eis o que se retira da generalidade destes números, ainda que vários elementos ajudem a disfarçar algumas das piores evidências, sobretudo ao poderem ser interpretados à primeira vista ― porque o Diabo se esconde noutros detalhes ― como indicadores de uma sociedade tendencialmente proprietária e aparentemente remediada.

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