(O Twitter é um mundo inesgotável de matéria para a reflexão, expurgado que seja do imenso lixo tóxico que por lá campeia. Mas do ponto de vista da investigação académica e do debate que precede a publicação de artigos e livros, ele traz-nos um campo de ideias que fervilha a todo o momento e que tem a particularidade de estar para além de toda a rigidez institucional que caracteriza estes universos. Recupero para hoje um longo testemunho de uma investigadora de seu nome Lucía Cores-Sarría que dá que pensar e que me vai levar a uma conclusão em matéria que nos interessa a nós Portugueses e de que maneira ...)
Começo pelo testemunho (link aqui):
“O meu companheiro e eu própria doutorámo-nos numa universidade dos EUA. Fiz depois um pós-doc na Dinamarca e ele um outro em Espanha. Eis uma sequência com elementos da eficiência e da ineficiência da burocracia na Europa.
Na Dinamarca, tive de apresentar os meus diplomas de mestrado e doutoramento. Foram aceites em inglês. Aceitaram o certificado digital da Universidade de Indiana. Foi tudo o que tive de fazer. Online. Custou-me zero euros e foi concluído imediatamente.
Em Espanha, ele teve de apresentar os seus diplomas de licenciatura e doutoramento, primeiro apostilados (certificados como autênticos) e depois traduzidos para espanhol por um tradutor oficial. A obrigação de apostilar o documento exigiu a ida a Chicago para obter um documento oficial e teve de pagar ao tradutor oficial. Mas atenção os diplomas não foram suficientes. Teve de obter uma “equivalência” concedida pelo governo espanhol com um pagamento de 160 euros por cada, ou seja 480 euros. Mas não é tudo. A tradução, o apostilamento, a transcrição e as taxas não foram bastantes. Foi-lhe exigida uma memória descritiva de 20 páginas da sua tese de 200 páginas em espanhol. Ele não fala espanhol, mas quem se preocupa com isso. E já agora o tempo de processamento é de 6 meses.
Resumindo: na Dinamarca, o processo é imediato e não tem qualquer custo. Em Espanha, custa 1000 euros e demora 6 meses. E o stresse. Já não falando no pesadelo burocrático dos processos para obter a residência em Espanha. Se forem um investigador proveniente de uma universidade americana e se estiverem perante a oportunidade trabalharem num pós-doc na Dinamarca ou em Espanha, qual seria a sua opção?”
Dirão os mais crédulos ou renitentes que há universidades americanas e universidades americanas. Sim, o sistema americano é fortemente hierarquizado, sem dó nem piedade para as instituições mais fracas. Mas esse não é o ponto. O ponto fundamental é que a situação processual identificada em Espanha, em Portugal não seria substancialmente diferente, evidencia, para além da rigidez e da inércia da burocracia, que resistiu em Espanha à “transición” e em Portugal à revolução democrática, o total alheamento do país face a uma realidade incontornável – a necessidade de atrair, acolher e integrar migrantes, dos quais a fixação de talento internacional é apenas uma manifestação.
As dimensões de facilitação como a que é descrita pela investigadora Lucía Cores-Sarría influenciam tanto as decisões de “should I stay or should I go?” como as mais estruturais e económicas como o gap salarial. A mensagem que paira é contraditória – o país e as pessoas são amigáveis e acolhedores mas o sistema de acolhimento coloca-se deliberadamente nos antípodas dessa revelação.
Portugal ainda não entendeu que tem de se organizar melhor do que os seus concorrentes para atrair pessoas e talentos, pois não sendo possível colmatar o gap salarial há que o contornar através de outras variáveis. Os empecilhos burocráticos descritos no tweet colocam estrangulamentos onde a ideia de via verde devia ser o cartão de visita.
Claro que a Universidade com a caterva de poderzinhos não escrutinados que lá se acolhem estará sempre na primeira linha dos estrangulamentos. Temos uma ridícula e pretensa noção de superioridade no nosso ensino superior, por muita qualidade internacionalmente reconhecida que ele possua. Mas atenção que os critérios de aferição internacional dessa qualidade estão a mudar radicalmente. E há novas tendências crescente valoradas como a flexibilidade e a organização para o acolhimento.
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