(Nancy Pelosi é uma personalidade que se confunde com o Partido Democrata americano, tamanha é a sua força política, medida pela força do indicador de presidir ao Congresso americano quando a sua idade recomendaria ocupações mais neutras e calmas. Mas temos de convir que a força política de Pelosi é por todos reconhecida e que o seu regresso à presidência do Congresso é por ela explicado. Porém, é inequívoco que o seu alinhamento com a orientação de governação de Joe Biden não tem sido exemplar. Várias fissuras têm sido abertas seja por vezes pela impetuosidade de Pelosi, seja outras vezes por indícios de algum conservadorismo político que tem contribuído para a dificuldade de fazer os Democratas avançar a uma só voz em alguns dossiers internos. A sua teimosia em visitar Taiwan sem uma perceção visível dos ganhos que essa visita traria para o mundo e para os próprios abnegados cidadãos de Taiwan abre um precedente em matéria de política externa americana e mundial cuja perigosidade o mundo dispensaria de bom grado nos tempos que correm…)
É generalizadamente conhecida a hipocrisia que o mundo ocidental e os EUA em particular tem dedicado ao tema das relações entre a China e Taiwan. O El Dorado dos negócios de investimento direto estrangeiro e de exploração de novos mercados de consumo que a abertura económica da China representou relegou para plano muito secundário a vontade ocidental de aceitar a independência de Taiwan face ao gigante chinês. Este, por sua vez, nesse período de transformação do seu modelo económico, esbateu a sua tese de uma só China, facilitando a hipocrisia do equilíbrio alcançado em termos de diplomacia externa. Para isso, acabou também por contribuir a pujança do modelo económico de Taiwan que a pulso foi construindo um modelo económico presente em todos os estudos de caso de experiências bem-sucedidas de gestão favorável da globalização.
Nos últimos tempos, sobretudo a partir do momento em que Trump estupidamente quebrou o tal equilíbrio de posicionamentos na economia mundial, o gigante chinês abriu pelo menos um olho e o seu líder lá foi deixando a ideia de que gostaria de deixar resolvido o problema de Taiwan, o que é a mesma coisa que dizer anexação ou negociação de um estatuto de região autónoma na tal China una e indivisível.
Paciência de Chinês é coisa que Pelosi não tem e eis que a vetusta Democrata quis ir dizer in loco que os EUA não abandonariam à sua sorte os Taiwaneses. As mentes mais lúcidas que vão escrevendo pelos jornais americanos bateram forte e feio no topete de Pelosi, sobretudo com o argumento que compreendo bem que a sua visita a Taiwan iria deixar o povo Taiwanês numa situação bem pior do que a que tinha antes, apenas com o contraponto simbólico do apoio no terreno dos EUA, mesmo que as posições do Congresso não vinculem de modo algum a política externa americana.
Num contexto geopolítico em que o relacionamento entre o Ocidente e a Rússia (e de facto também todo o mundo que não assinou por baixo a condenação da invasão russa) está ao rubro, com um clima de tensão perigoso que pode destrambelhar ao mínimo erro de decisão, comprar também o agudizar da tensão em torno de Taiwan não lembraria ao diabo, embora este possa vestir-se de diferentes maneiras. Isso equivalerá muito provavelmente a hipotecar o possível papel da China no desanuviamento em torno da Ucrânia (não é por acaso que o inventivo Zelensky se lembrou de pedir para se encontrar com o líder chinês), o que é de uma imprevidência inclassificável e justificativa de que Pelosi já deveria ter-se confinado a outros mundos menos notórios e perigosos.
Depois de duas semanas em que o rumo das coisas parecia finalmente trazer alguma energia e aceitação a um Biden claramente em perda (o que é que terão oferecido ao congressista Manchin?), eis que o brilharete simbólico de Pelosi vem de novo fustigar o presidente americano (também tu Nancy?).
Manobras militares com mísseis a sério foram iniciadas praticamente em simultâneo com a estada de Pelosi, colocando os Taiwaneses em séria guarda, mas com riscos sérios de grave isolamento. Assistiremos nos próximos tempos a um verdadeiro arsenal de manobras de intimidação por parte da China. A comunidade ocidental bradará aos céus e os Taiwaneses habituados a esse contexto reagirão com a sabedoria de sempre. O perigo não é esse. O perigo estará em alguma chama não controlada.
O mundo põe-se a jeito para o eclodir de um conflito mundial. As partes já lá estão. Falta apenas o nexo causal entre as mesmas. Isto não está nem para velhos, nem para novos, nem para os de meia-idade.
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