quarta-feira, 24 de agosto de 2022

SEDES: AMBIÇÃO OU MÚSICA CELESTIAL?

Começo por uma declaração de interesses, aliás talvez de duvidoso interesse: sou associado da SEDES há longos e já esquecidos anos. Aderi por via da insistência nesse sentido de Mário Melo Rocha quando ele se propunha relançar a associação a Norte, o que verdadeiramente nunca ocorreu a despeito de vários e meritórios esforços. De facto, nunca tive grandes ilusões relativamente à minha presença na SEDES, quer porque nunca a encarei em termos de debate ideológico estrito (era já passado o tempo das grandes clivagens em termos de “princípios”), quer porque sempre percecionei o ideário dos seus sucessivos dirigentes e dinamizadores mais sectário e à direita do que o meu, quer porque sempre me dececionei perante a hipótese falhada (apesar de alguns colóquios mais ou menos elitistas e tristonhos que foram acontecendo na Duque de Palmela ou em localizações próximas) de debates sérios e rigorosos, de preferência argumentativamente marcados por um confronto aberto e tolerante, sobre os grandes problemas nacionais (e também internacionais e regionais, já agora).

 

Vem toda esta minha conversa a propósito do anúncio por parte da SEDES, com repercussão numa boa parte da comunicação social, de que disporia de uma “visão estratégica para o país” e de que a iria apresentar a 1 de setembro na Câmara do Porto após dela dar conhecimento ao Presidente da República na véspera. O livro correspondente, designado “Ambição: duplicar o PIB em 20 anos” e coordenado por uma dupla a vários títulos improvável (o presidente Álvaro Beleza, na sua evangélica e volúvel desmultiplicação declarativa em prol da salvação do País, e o professor Abel Mateus, no seu infatigável esforço para fazer valer tecnicamente as fechadas conceções doutrinais que de há muito assumiu), foi entretanto sendo referenciado pelos próprios através de chavões bastante costumeiros e que largamente se parecem saldar, afinal, por verdadeiras contradições essenciais: que pretende não apenas traçar o diagnóstico mas também dar pistas concretas sobre como levarmos a economia portuguesa da atual trajetória de quase estagnação a um crescimento médio de 3,5% ao ano (esta estranha precisão tem um modelo subjacente?), que para tal são fundamentais um conjunto de reformas implicando “alguns sacrifícios” e a adoção de “políticas de rotura que só fruirão totalmente no médio e longo prazo” (uma lógica com razão de ser mas tornada uma lengalenga insuportável à falta de explicitações palpáveis), que o caminho se faz decisivamente através de um “choque fiscal” que reduza a pressão fiscal sobre as empresas e as famílias e da sacrossanta “liberalização do mercado de trabalho” (mas qual choque e qual liberalização?), que já estão inventariadas 57 medidas capazes de dar corpo à proclamada “ambição” (mero azar que o número não tenha saído mais redondo?) e por aí adiante.

 

No que me toca, e secundando o já adiantado pelo meu colega do lado neste espaço, confesso não ser dos maiores crentes em cardápios de receitas mais ou menos “chave na mão” ao serviço de objetivos eventualmente louváveis mas definidos sem escrutínio substantivo ― coloco-me decididamente como mais adepto da análise e da ação concreta (e, nesta, da procura efetiva dos meios para o seu tentativo desbloqueamento) do que de tais lógicas de raciocínio quiçá brilhantes mas dominantemente ortodoxas e esquemáticas, logo dificilmente capazes de vencer o teste da realidade (a especialidade de Abel Mateus, a meu humilde ver). Mas claro que, também eu, não quero precipitar uma avaliação desajustada por ausência de acesso ao documento e seus pressupostos e desenvolvimentos, pelo que aguardarei mais alguns dias para então me deslocar ao Município e ouvir de viva-voz o que por lá será dito pelos autores e, depois, me dedicar a ler atentamente as razões do texto em causa.

 

Ainda assim e antes de terminar, devo desde já explicitar alguns pontos de acordo genérico em que convergirei em relação à bem intencionada “ambição” desta SEDES: a justiça como área de intervenção inadiável, a reforma do Estado e regulatória como urgências (embora tenha dúvidas sobre se estamos a falar do mesmo), a ferrovia como solução infraestrutural determinante e a reforma do sistema político como elemento a não negligenciar (embora tenha dúvidas quanto a algumas das soluções que têm sido postas em cima da mesa pelos responsáveis da associação). Pois que de resto, e como já vou sendo relativamente antigo, não irei seguramente muito atrás de modernismos energéticos e logísticos sofisticados, de sustentabilidades e corporativismos apressados ou de mudanças de processos e desburocratizações milagrosas; nem, muito menos, de automações, inteligências artificiais e outros expedientes sem condições capazes de expressão em termos de eficácia ou aplicabilidade.

 

Um assunto que fica, portanto, a aguardar momento mais azado para uma mais séria e fundamentada exploração.

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