(Regresso às questões da educação para tentar pegar em algumas pontas soltas que o meu post anterior sobre o tema tinha deixado. O assunto não fica fechado, mas consegui avançar alguma coisa em matérias como a questão dos exames do 12ºano e sua relação com o acesso ao ensino superior, o estado de saúde dos cursos técnico-profissionais superiores, CTeSP, e o estafado tema da inflação das notas. Quer isto significar que além da instabilidade preocupante entre os professores de que já falei abundantemente no post anterior, o sistema de educação e formação português atravessa um momento sobre o qual o debate público deveria ser mais intenso e consistente. Misturar as duas coisas, revisão do sistema e instabilidade de professores, não conduzirá seguramente a vias positivas de resolução para ambos os problemas.)
Referi no meu último post que o tema do confronto entre as notas médias de disciplinas do secundário em que existe exame final e das disciplinas em que ele não é necessário deveria ter uma ampla cobertura e difusão informativa, no quadro do que penso ser uma desejável transparência dos resultados do sistema de educação.
Já não está aqui em causa o tema que foi bastante badalado em 2020 e que estava relacionado com a divergência existente entre classificações do ensino público e privado e, relativamente a este último, as diferenças existentes entre classificações atribuídas pelas escolas privadas na sua avaliação contínua e nos exames nacionais. O assunto foi mediaticamente badalado porque houve diretores (as) de colégios privados envolvidos e acusados.
Não quero regressar a esse tema, pois ele é muito movediço em termos de informação. Será sempre necessário expurgar o efeito aumento de classificações devido pelo facto das escolas privadas não receberem os alunos mais problemáticos e desfavorecidos, e o que também resulta da eventual organização mais eficiente dessas escolas, para avaliar corretamente o eventual efeito fraudulento de inflação deliberada de notas para satisfazer a procura. Uma via mais correta para aferir da eventual existência desse fenómeno seria comparar a diferença entre notas da avaliação contínua e nos exames nacionais nas escolas públicas e privadas, mas isso implica um manuseamento de informação incompatível com um post diário para este blogue.
Neste novo contexto, o tema da inflação de notas no secundário adquire outros cambiantes de interpretação, sobretudo porque está em causa a decisão política do Governo de eliminar os exames finais de 12º ano para os alunos que decidem não prosseguir os seus estudos no ensino superior.
Pressente-se que o tema está no ar, que essa informação existe, não necessariamente tratada para publicação, mas que teimosamente teima em não aparecer, sabe-se lá bem porquê.
Fiz uma breve pesquisa no Twitter e os resultados ainda são enviesados pelo tema da “inflação de notas” nas escolas privadas. Encontrei uma única referência que me parece válida, com origem num aluno de doutoramento em economia na Nova Business School, Pedro Freitas de sua graça, que reproduz um gráfico publicado no Jornal de Notícias de 7 de janeiro que ainda não consegui obter e que puxava para a primeira página a notícia de que escolas privadas e públicas inflacionam notas (@PedrolcFreitas).
O gráfico distingue permanentemente entre disciplinas sem e com exame nacional associado e é de facto impressionante, nas primeiras, a percentagem de alunos com nota 20 como avaliação mais elevada (cerca de 73% em 2021). Essas percentagens caem abruptamente para as disciplinas com exame nacional associado. Não só a moda não é o 20, como a nota mais elevada 18 não chegava em 2021 a 15%.
Não podemos ignorar que 2020 e 2021 são anos COVID, introduzindo um contexto que pode subverter a comparação, mas já em 2018 e 2019 a percentagem de alunos com 20 ultrapassava a metade nas disciplinas sem exame associado.
Este novo olhar sobre o tema da inflação de notas adquire um outro significado quando se confrontam os que concordam que só os alunos que pretendem prosseguir estudos superiores devam fazer exames, ao passo que os que decidem ficar pelo secundário ou inscrever-se em CTeSP não os devem fazer.
Devo dizer que sou fundamentalmente contra a supressão dos exames nas disciplinas do secundário, não porque seja um feroz adepto de exames como elemento central de classificação, mas porque me parece que a medida vai direitinha conduzir a uma nova forma de discriminação entre alunos que querem prosseguir estudos superiores e os que disso abdicam, provavelmente por desfavorecimento familiar. O que teremos é uma forma declarada e assumida de desigualdade, neste caso com a Escola a promovê-la. Outra matéria bem diferente, que penso não dever com vantagem ser misturada com esta, é a maneira como as Universidades e Politécnicos queiram selecionar os seus estudantes. Essa questão terá de ficar para um novo “take” sobre o assunto.
É neste contexto que surge a notícia de hoje no Público que trabalha os dados publicados pela Direção-Geral das Estatísticas da Educação (DGEEC) relativas ao ano letivo 2020/21, focada nas taxas de desistência dos CTeSP.
Tenho de referir aqui uma situação de “conflito de interesses”, já que integrei a equipa de avaliação ex-ante do Programa Operacional 2014-2020 Capital Humano que financiou estes cursos, no quadro de uma grande aposta no apoio aos cursos de dupla certificação, escolar e profissional. Os CTeSP eram apresentados pelo governo de Passos Coelho como uma modalidade profissionalizante de ensino superior, nível ISCED 5, não dando propriamente um diploma de curso superior, como por exemplo as licenciaturas de Bolonha de três anos. Diziam na altura as más-línguas que tais cursos equivaliam a um artefacto estatístico para aumentar a taxa de participação de alunos no ensino superior e o Secretário de Estado do Ensino Superior na altura, o Professor José Ferreira Gomes da Faculdade de Ciências do Porto, fez tudo para desvalorizar esses cursos junto dos Institutos Politécnicos.
Como avaliador ex-ante, na altura, reconhecendo embora a valia do conteúdo profissionalizante de formações de nível 5, já aliás testadas com os CET, defendi que muito dificilmente as famílias iriam preferir uma formação superior de 2 anos, sem o reconhecimento de uma licenciatura, a uma efetiva licenciatura de 3 anos. Tenho de reconhecer que me enganei, direi quase redondamente. Primeiro, não antecipei que as famílias e os jovens poderiam valorizar o facto da entrada no ensino superior (mesmo não o sendo verdadeiramente) estar obviamente facilitada com os CTeSP. Segundo, porque alguns Institutos Politécnicos conseguiram apresentar ofertas apelativas em torno da empregabilidade, através de processos colaborativos com empresas e contextos locais, que terão vencido as dúvidas sobre a existência de procura de jovens e famílias.
A formação da procura era ilustrada em 2020/21 pelos 9.394 estudantes inscritos, subindo atualmente esse número para 9.840 alunos. O que contrastava com o reduzido interesse colocado nas vias especiais de acesso ao ensino superior a partir dos Cursos Profissionais (874 alunos no presente ano letivo). Os números da DGEEC apontam para 24% de alunos que, estando inscritos no 1º ano de CTeSP já não aparecem no sistema no 2º e último ano. Ou seja, uma taxa de desistência ou abandono bem mais elevada do que a verificada nas licenciaturas que foi de 11%.
O que parece estar a acontecer é que a convivência de ensino técnico superior com uma componente prática, afinal a filosofia dos CTeSP, não estará a convencer os jovens que nele apostaram. Vários motivos podem justificar esta coexistência difícil. Pode ser que a formação adquirida nos Cursos Profissionais (12º ano) não seja suficiente para o aprofundamento da experiência. Pode ser também que as instituições com oferta destes cursos não estivessem preparadas para a orientação e acompanhamento destes jovens (diga-se que a orientação vocacional nos cursos profissionais secundários é também deficiente).
Para os propósitos que tinha com estes dois posts que publico sobre o tema, este tema interessa-me porque representa a ilustração de que o sistema de educação e formação em Portugal atravessa uma fase de transição que está a ser mal debatida do ponto de vista dos resultados que estão a ser alcançados. Afinal, introduzir inovação num sistema de educação e formação que durante largo ignorou a questão da dupla certificação e a qualificação das vias profissionalizantes só por magia é que nos reconduziria a uma réplica do tão apreciado modelo dual alemão, há longo tempo enraizado na cultura alemão.
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