segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

A IMOLAÇÃO DE ANA CATARINA MENDES

 


(Tenho de vos confessar que, na qualidade de apoiante socialista, não militante, que sempre votou PS a não ser numas autárquicas em que me recusei a apoiar os desmandos urbanísticos de um tal Heitor Carvalheiras, me senti ontem bastante incomodado por ver nas televisões um membro do Governo e elemento destacado do PS, a Ana Catarina Mendes, a assistir institucionalmente ao congresso do Chega e, simultaneamente, à entronização foleira e doentia de André Ventura. Para mim não cola o argumento da mera representação institucional, pois haveria muitas maneiras de despachar essa muito discutível representação institucional, não comprometendo um membro do Governo. Não havia necessidade de condenar à imolação alguém que em meu entender já prometeu mais do que hoje representa. E mais incomodado fiquei com a incorporação de alguns elementos adicionais de informação surgidos poucos minutos depois, através do corajoso e contundente comentário de Ana Gomes na SIC Notícias.

 

Por mais apoiante crítico, por vezes muito crítico, que seja da governação socialista, há coisas que vão para lá da racionalização do pensamento crítico e que geram um insuportável incómodo. Já bastava aguentar as imagens das televisões com a entronização bafienta e retrógrada do André Ventura, inseridas em noticiários que trazem outras coisas e que não podem ser evitadas pela mudança de canal, pois alinham todos pelos mesmos critérios editoriais.

Mas deparar na primeira fila dos convidados com a presença de um membro do Governo, ainda por cima responsável por uma pasta que trata de assuntos em que o fel venenoso do Chega corrói tudo que o cerca, Ana Catarina Mendes, que assistia com cara de pau aquele espetáculo indecoroso, ultrapassa tudo o que as minhas delicadas vísceras podem aguentar. O que terá levado os responsáveis socialistas a imolar uma das suas dirigentes mais destacadas, com um argumento de representação institucional que não convence o mais circunspeto dos apoiantes? Há limites para a diplomacia parlamentar um desses limites é oferecer ao Chega a aceitação de um convite institucional. O incómodo foi bastante, sobretudo por ter ficado com a sensação de que ali havia esturro.

Uns minutos depois de ter assistido às diatribes do Ricardo Araújo Pereira dei comigo a assistir ao comentário político semanal da Ana Gomes, cada vez mais de pelo na benta. Não sou propriamente um adepto fervoroso do verbo da Ana Gomes, mas tenho de reconhecer que a ausência da sua VOZ faria falta ao ambiente político em Portugal.

Ora a intervenção da Ana Gomes de ontem veio adensar o meu incómodo com a despropositada imolação de Ana Catarina Mendes. Ela invocou e bem a estranha decisão do PS de abdicar de presidir à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, o que terá como consequência a possível atribuição a um representante do Chega dessa responsabilidade.

O cheiro a esturro tornou-se insuportável. Um membro do Governo a assistir à entronização de Ventura e uma decisão que pode representar uma tática política tenebrosa é uma coincidência demasiado gravosa para meu gosto. Até porque a cada cavadela no dossier da TAP se compreende que, embora limitando o inquérito a um período demasiado próximo (outra interrogação que fica misteriosamente no ar), a nacionalização instável da TAP vai transformar-se num assunto ruinoso para o Governo e PS e não interessa que protagonistas serão chamuscados. Se não houvesse mais rastilhos, este último relacionado com o bónus/prémio de gestão à Madame responsável pela condução do processo de reestruturação vai ainda mais incendiar o ambiente em que a Comissão de Inquérito irá funcionar.

Este tempo não está de facto para velhos com sentido crítico das coisas.

 

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