Muita coisa terá seguramente mudado desde os incidentes de Domingo em Brasília, até provavelmente em favor da geração de uma ocasião excecional para que Lula e o seu governo possam lograr condições para algum enfraquecimento do “bolsonarismo” de extrema-direita com que se defrontam. Ainda assim, opto por alinhar algumas notas previamente resultantes da minha observação e conversas aquando da já referida passagem por mais de perto da cena em presença.
Dada a quase igualitária divisão do país que emergiu do processo eleitoral, as coisas tornaram-se ainda mais altamente difíceis no sentido da formação por Lula de uma maioria minimamente estável de governo. Matéria para a qual em nada contribui positivamente a complexidade ― também há quem lhe chame bagunça ― do sistema partidário brasileiro e respetiva lógica de funcionamento; para uma breve perceção infográfica disso mesmo, veja-se abaixo a base de Lula na Câmara e no Senado.
O certo é que Lula lá conseguiu formar um governo com alguma aparência de potencial estabilidade, ainda que para tal tenha tido de se limitar a recorrer à sua principal força partidária de apoio, o PT, em apenas cerca de um terço do total de ministros (12 em 37, incluindo embora pastas decisivas como a da Fazenda, da Casa Civil, da Educação, do Desenvolvimento Social, das Relações Institucionais ou do Trabalho), acrescentando-lhes um conjunto de mais 8 personalidades independentes (como o ministro das Relações Externas ou as ministras da Cultura e do Esporte) e de outras 8 provenientes de seis partidos de esquerda ou próximos (com destaque para os 3 do PSB do vice-presidente Geraldo Alckmin, a chamada de Marina Silva (Rede),
Depois temos a questão de Lula propriamente dito. Quer pelo seu posicionamento, algures entre um balanço passado invariavelmente perspetivado em termos de autoelogio radioso (como foi afirmando em campanha, reafirmou no discurso de posse ― o “Estadão” escreveu em editorial que “Lula reafirma a sua agenda retrógrada” ― e começou a praticar com um necessário mas insuficiente “revogaço”) e uma matriz intervencionista de que não quererá prescindir por boas e más razões (atente-se, por exemplo, no modo como a comunicação social mais moderada já vai tratando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enquanto “o ministro decorativo” que “terá que ensaiar mais para aprender a dizer ‘não’ ao presidente). Um desejável equilíbrio, que contrarie a ideia de que “o velho Lula está de volta”, não será talvez impossível de alcançar mas afigura-se claramente exigente face aos tiques incorporados pelo presidente e à combatividade de algum do seu entorno pêtista mais radical, na certeza de que o sucesso sempre terá de provir de um social à esquerda e de um económico ao centro (vejam-se mais abaixo os “pedidos” da poderosa Confederação Nacional da Indústria (CNI) em sede de uma “reindustrialização” que reputa de central na ação de Alckmin na sua acumulação à frente do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Acresce ainda a possível irrupção de uma oposição mais inteligente, leia-se menos ideológica e militarizada, eventualmente protagonizada por governadores de Estados pujantes (São Paulo e Minas Gerais, i.e., Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, em especial) que consigam libertar-se dos piores apelos e tentações bolsonaristas e, portanto, reconverter-se. Não descurando, porque o seguro morreu de velho, a presença largamente disseminada daqueles apelos e tentações no seio da instituição militar e policial.
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