sábado, 28 de janeiro de 2023

FALANDO DE AVÓS E DO JAPÃO

 

(A razão próxima para este post é dupla: por um lado, um conjunto recente de artigos do Economist sobre o tema do envelhecimento demográfico que me interessa analítica e pessoalmente já há algum tempo e, por outro, o curso de fim de tarde de segunda e terça feira que estou a frequentar no serviço cultural do El Corte Inglés, em Vila Nova de Gaia, sobre a Guerra do Pacífico (coordenação do Professor Vítor Teixeira), que me tem levado a novas leituras sobre o Japão. Embora o tema do “inverno demográfico” constitua um problema de todo o mundo mais desenvolvido, que enfrentará nas próximas décadas o desafio de integrar ou de desenvolver localmente a juventude dos menos desenvolvidos, os dois temas estão curiosamente muito ligados, pois o Japão apresenta especificidades nesse universo de envelhecimento.

 

Um dos artigos do Economist sobre o tema (link aqui) aborda a questão do envelhecimento pelo prisma do peso crescente, em parte também da importância crescente, dos avós nas sociedades tocadas pela transição para um “inverno demográfico” frio e exigente. É um tema interessante e diferente para equacionar o envelhecimento como elemento de um processo de reorganização social que atinge as sociedades mais envelhecidas. Em alguns trabalhos e análises anteriores atribuí uma enorme importância ao papel dos avós na configuração social das sociedades mais modernas, sobretudo aquelas em que a mulher luta desesperadamente por ter filhos e não abdicar por isso da sua valorização profissional e ambição de carreiras. O papel dos avós é ambivalente, pois se, por um lado, compõe o ramalhete para uma conciliação da vida familiar e profissional que vai além dos instrumentos de política pública e das empresas para o garantir, também o podemos encarar como um fator de almofada para um clima geral de baixos salários em Portugal, no âmbito do qual muitos casais não atingem um limiar de rendimento suficiente para em termos privados gerir os tempos de educação oficial e complementar dos seus filhos.

É curioso que este tema sempre me interessou, embora nos tempos mais recentes seja a autonomia dos filhos, seja a distância a que vivem do local em que vivemos, a ligação diária aos quatro netos tenha diminuído substancialmente, não nos cabendo, com alguma pena nossa, qualquer papel ativo nessa gestão complexa dos tempos da sua educação oficial e complementar.

O artigo do Economist começa por sublinhar que a quantificação do número de avós no mundo não é fácil nem de cálculo direto. A estimativa que a revista apresenta tem de ser interpretada à luz de vários pressupostos, pois a determinação do número de avós para as coortes de população mais velha exige a fixação de determinadas condições para se chegar a alguns números plausíveis. Além disso, para o tema que nos interessa, não é indiferente falarmos de casais de avós com ambos os cônjuges vivos, não podemos ignorar a questão da saúde e o modo como as famílias se organizaram no espaço, com maior ou menor proximidade (investigação realizada nos EUA mostra que “viver a cerca de 25 milhas da avó significa aumentar a taxa de participação das mulheres casadas com filhos pequenos na vida ativa em 4 a 10 pontos percentuais”.

Com a ajuda de investigadores do prestigiado Instituto alemão Max Planck, a revista estima que haverá hoje 1,5 mil milhões de avós no mundo, correspondendo-lhe 20% da população mundial e uma relação de avós por criança de menos de 15 anos de 0,8, tendo todos estes indicadores aumentado substancialmente nos últimos 60 anos. Compreensivelmente, dadas as diferenças abissais de contextos demográficos, a idade média dos avós apresenta disparidades flagrantes, também estimada pelos investigadores do Max Planck.

 

A revista confirma a forte relevância social dos avós como elemento facilitador do acesso da mulher ao topo da vida ativa, sendo curioso que sejam AS avós e não os Avós a assumir essencialmente essa função, o que constitui um indicador de enorme progressão social, digamos endógeno. Ou seja, as mulheres que não conseguiram no passado ascender ao topo da vida ativa são agora as que facilitam a ascensão das suas filhas, noras ou companheiras dos seus filhos a fazê-lo.

E aqui entra o Japão, que já há longo tempo enfrenta um ambiente de forte envelhecimento demográfico. A relevância do “inverno demográfico” japonês prende-se sobretudo com a combinação entre envelhecimento e algumas características da sociedade japonesa. Na sequência da crise dos anos 90 da economia japonesa que viveu então os efeitos contraditórios de se tratar de uma sociedade fortemente prudencial, com uma taxa de poupança culturalmente elevada e hoje fortemente reforçada pelo envelhecimento demográfico (poupar mais para aguentar uma mais elevada esperança de vida, com mais ou menos doenças). O Japão foi então considerado um exemplo da velha armadilha da liquidez, materializada numa procura global de consumo e de investimento pouco dinâmica, que levou o Banco Central japonês de então a verdadeiros esforços de relançamento da procura global no país. Largamente influenciado por essa estagnação, o Japão não se livrou a partir daí de uma perceção de sociedade pouco dinâmica. Noah Smith tem-se insurgido contra essa perceção, apresentando diferentes tipos de evidência de que essa perceção está errada: a dinâmica de construção é muito elevada, o aumento da habitação média é o também e, talvez a maior surpresa entre todas, o Japão é uma das sociedades do Pacífico com maior taxa de fertilidade neste momento, acima da China, com 1,3 filhos por mulher em idade ativa de procriação. Convenhamos que a comparação tem significado, mas o contexto é de muito baixas taxas de fertilidade naquela zona do globo, recriando à distância o que se passa na Europa do Sul.

 

Uma questão relevante a explorar com mais investigação e literatura é o efeito da senioridade e do envelhecimento no modelo empresarial japonês. A economia japonesa tem revelado algum retardamento tecnológico e empresarial face a economias tecnologicamente mais dinâmicas e isso pode dever-se à estabilidade de modelos de decisão que colocam as pessoas mais velhas no topo das hierarquias. Mas isso é matéria para outros posts e outras pesquisas.

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