domingo, 29 de janeiro de 2023

QUESTÕES DE EXECUÇÃO

 


(Com um sol radioso que esmaga a minha varanda de Seixas, fronteira ao Coa e ao Minho, que engana o frio que se abate sobre todo o território nacional, não há motivação para grandes reflexões. Mas, entre temas possíveis, escolho um que tem sido objeto de grande pressão pública, incluindo a do Presidente, sobre o qual a minha vivência profissional tem gerado uma perceção algo distinta daquela que alimenta a referida pressão. Estou a referir-me à execução dos Fundos Europeus, por estes tempos agravada pela massa crítica dos recursos envolvidos, já que o PRR se encarregou de trazer ao processo uma pressão de utilização que muito provavelmente será irrepetível nos tempos mais próximos. A questão relevante que deve acompanhar a da pressão para uma rápida e eficaz utilização dos recursos disponíveis raramente vem a público, já que mexe com aspetos e práticas que não estão ao alcance de uma comunicação social bastante preguiçosa e que não trabalha para lá da superfície das coisas, praticamente confundida com o que circula pelas redes sociais. De qualquer modo, considero que a discussão sobre os constrangimentos ocultos de uma rápida e eficaz utilização de fundos nos deveria conduzir a uma limpeza disciplinadora desses constrangimentos, uma espécie de tábua rasa necessária para uma boa execução.

 

Devo dizer que a perceção de que os fundos europeus têm enfrentado níveis baixos de execução, neste período de programação 2014-2020 e nos anteriores, é totalmente errada. Podemos isso sim discutir se, estrategicamente, a execução se orientou para as prioridades mais salientes. A minha experiência já vasta, temática e temporalmente falando, diz-me o contrário. Foi, antes a força incontornável da execução que contribuiu para que o equilíbrio entre execução e prioridades estratégicas se quebrasse em favor da primeira. E essa mesma experiência diz-me que, à medida que se aproxima o termo dos períodos de programação, em que regra geral se assiste à limpeza de todos os rabos de palha em termos de execução, a probabilidade das operações que são simplesmente “mais do mesmo” se substituírem aos projetos de dimensão mais estratégica mas com dificuldades de implementação é muito elevada. O modo como os sucessivos períodos de programação repetem este problema é exasperante, claro está a bem da tal boa execução. E toda a gente acena com a cabeça confiante que está no rumo conveniente, a bem da nação.

Isto não significa, e esse é o tema do meu post de hoje, que a execução, isto é, a dinâmica concreta de implementação dos projetos, não enfrente dificuldades crónicas, que também se repetem exasperantemente de período de programação para o seguinte, sem que os governos  mexam uma palha que se veja para reduzir os atritos colocados pelas condições concretas de implementação.

O rol de atritos é vasto e diversificado. Basta falar uma ou duas vezes com promotores de operações com financiamento europeu para elencar com facilidade esses atritos. Deixo aqui alguma reflexão sobre os mesmos.

Em primeiro lugar, dada a enorme relevância de promotores públicos na programação de Fundos Estruturais em Portugal, que abrange entidades participadas por entidades públicas não necessariamente a 100%, a lei da contratação pública tem de ser obrigatoriamente respeitada. As entidades públicas ou para-públicas têm uma relação não resolvida com a contratação pública. Enraizou-se a ideia de que um concurso público é uma tarefa gigantesca e sujeita a conflitos de interpretação jurídica de resultados, por isso proliferam outras modalidades de contratação, entendidas como mais simples, mas que a experiência me diz que geram imbróglios de todo o tipo, tais como os ajustes diretos e concursos limitados com consulta a algumas entidades. O que deveria constituir um procedimento regular e habitual transforma-se rapidamente num primeiro constrangimento à execução. Fico perplexo, pois depreende-se que não existido qualquer aprendizagem organizacional nesta matéria.

O segundo constrangimento resulta de um “complicómetro adicional”. As burocracias administrativas comunitária e nacional parecem gostar da compita, quem é o mais zeloso no controlo, sob um pressuposto geral de desconfiança aberta nos promotores das operações. Dizem-me frequentemente as entidades do sistema científico e tecnológico nacional que têm experiência de concorrerem diretamente a fundos europeus geridos por autoridades comunitárias que a burocracia dos programas nacionais é bem mais complexa do que a comunitária. O que interpreto como as duas burocracias se adicionarem uma à outra. Também aqui a situação é recorrente há já vários períodos de programação, gerando necessariamente perplexidade por que razão estes testemunhos continuam a ser recolhidos.

Em terceiro lugar, o sistema jurídico-administrativo português já cheio de impurezas e de situações não canónicas. Em trabalho recente de avaliação sobre o programa de habitação 1º Direito em que por estes tempos o PRR financia a 100% processos de reabilitação e construção para eliminar situações de habitação indigna em famílias sem recursos para os resolver, tenho ouvido imensos testemunhos sobre a via dolorosa de resolução de problemas de cadastro e de registo predial. Tais testemunhos evidenciam que a propriedade em Portugal continua com imensos rabos de palha, para já não falar em empecilhos colocados pela legislação de condomínios, que alguns Municípios têm e enfrentar na sequência da prática de em prédios de propriedade municipal existirem frações que pertencem a proprietários privados, com toda a panóplia de dificuldades de intervenção em áreas comuns desses edifícios.

O meu ponto é que o investimento em Portugal enfrenta um conjunto amplo e diversificado de custos de transação que consomem uma larga parte do tempo útil dos investidores e que, sem surpresa de qualquer espécie, complicam e atrasam a execução das operações. E já não estou a colocar na equação do “complicómetro” a situação muito específica em que a construção civil vive por estes dias, com mais obra do que empresas para as realizar.

Assim sendo, se o Presidente da República pretende colocar na agenda m as questões da execução, prestaria um enorme serviço ao país colocar em debate a questão dos constrangimentos e dos custos de transação a uma rápida e eficaz execução. Bem melhor e bem mais útil do que cantarolar o “Ó tempo volta para trás” em matéria de comentador político.

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