domingo, 15 de janeiro de 2023

O LÚCIDO E IMPLACÁVEL JPP

 

(Tenho para mim, já há algum tempo, que a direita portuguesa atravessa uma fase de não sintonia entre inteligência e ideias e representação política, que implica ir além do discurso das forças políticas representadas no parlamento e fora dele para compreender a referida frustração. Não conheço melhor intuição e formalização desta questão do que a lúcida e implacável escrita de José Pacheco Pereira, cuja leitura é essencial para compreender entre outras coisas a diversidade de críticas ao governo de António Costa, não estando aqui em causa as fragilidades a que ele próprio Governo se entregou, já por repetidas vezes analisadas neste blogue. Esta perspetiva é fundamental para compreendermos que para lá da excitação por vezes histérica em muitos comentários de algumas franjas do PSD, da IL e do Chega, já que o CDS se ouve pouco, é em alguma imprensa que podemos captar as críticas que alguns gostariam de ver representadas no Parlamento. Ninguém melhor do que JPP topou à distância esta direita travestida de jornalismo. E o mais lamentável é que há gente de muita qualidade a servir de barriga de aluguer a esta direita encapotada.

 

A direita a que me refiro esteve representada no governo PSD da Troika, não propriamente no coração dessa governação, mas em alguma “juventude” desse Governo. Os representantes dessas ideias perceberam rapidamente que, embora sem se colar às suas posições, Passos Coelho era o político que melhor poderia compreender as suas vontades de reforma. E perceberam também que a presença impositiva da Troika, ainda por cima aqui chegada pelo esgotamento da governação socialista de Sócrates, constituía a grande oportunidade de fazer passar grandes reformas sociais, suscetíveis de erradicar de vez os estrangulamentos que essa direita, diria liquidacionista e em parte hayekiana, considera ser os grandes obstáculos ao desenvolvimento do país (excessiva dependência do Estado, legislação do trabalho demasiado protetora do trabalhador, tecido de PME incapaz de fazer a mudança, excessiva regulação, etc, etc).

Esta direita que nunca chegou a organizar-se como força política ou movimento de opinião mais ou menos estruturado esperou que entre as forças políticas existentes e emergentes, esperou, esperou, mas não encontrou. A luta no interior do PSD atrasou-se com a vitória de Rui Rio e nem a sua queda melhorou o campo de possibilidades. Montenegro, mesmo que próximo dos tempos de Passos Coelho, revela-se impreparado e não tem elaboração de pensamento político que agrade aos mentores. Olham para o lado e a conclusão não é substancialmente diferente. A IL começa a evoluir na mesma direção e nem sequer o aumento do seu peso eleitoral descansou os mentores. E do Chega, muito pior, por muitos esforços que tenham sido realizados para branquear o primarismo de algumas posições de Ventura. O problema é que aumentando a presença na Assembleia da República tornou-se visível que a densidade de trogloditas é incompatível com o elitismo dessa direita.

Este esboço de direita liberal confronta-se assim com uma espécie de doença congénita dos políticos em que potencialmente veriam representação. Eles prometem mas quando vão para o Parlamento o encanto desfaz-se e regressa a frustração da não representação.

E assim se compreende que os esboços dessa direita estejam hoje concentrados no Observador, um jornalismo com capa de qualidade, que acolhe de tudo, desde os que destilam ódio pelos socialistas e comunistas, vá lá saber-se porquê, até agente de muita qualidade, como por exemplo a Helena Matos, mais do que o José Manuel Fernandes.

É aqui que a lucidez e implacabilidade da crítica de JPP até doem.

E nada melhor do que citar um excerto da sua última crónica no Público (link aqui) para compreenderem a minha avaliação:

“(…) Voltando de novo ao orgasmo matinal da Rádio Observador, é muito evidente como uma qualquer ação governativa pode ser tratada tanto de uma maneira como o seu contrário: o Governo gastou X, mas devia gastar Y, ou X é demais gastar Y, que é menos; um dia são despesistas, noutro dia unhas de fome; num dia o controlo do défice é fundamental, noutro dia o Governo devia abrir os cordões à bolsa; nestes dias, todos os dias, as greves e manifestações que eram habitualmente intrinsecamente más, agora, são boas; até um dos casos portugueses é apresentado como sendo da natureza de “justificação” para a raiva bolsonarista, enquadrado na culpabilidade de Lula na tentativa de golpe de Estado; uma vez é porque falam, noutra porque estão calados – há apenas uma constante que nada tem que ver com escrutínio, mas com o uso político da má-fé. Não é jornalismo, é propaganda política”.

Curto e grosso, como convém à denúncia da direita encapotada que encontra em algum jornalismo a representação política que não consegue no Parlamento.

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