(Nos últimos tempos, algumas personagens femininas que passaram pela governação não fizeram nada, antes pelo contrário penalizaram, pela qualificação do papel da mulher na vida política. Por muito que possa ser imputado ao Governo e à sua leviandade com que procura recrutar num campo que se vai estreitando, nos três casos mais recentes, Alexandra Reis, Rita Marques e Carla Alves, não podemos dissociar o que aconteceu de uma degenerescência do modo como se encara eticamente o exercício de funções públicas. Ou seja, o campo de recrutamento está mais reduzido, mas mais importante do que isso, a degenerescência da interpretação dos valores públicos está em franca progressão, o que transforma o recrutamento num jogo de roleta com consequências imprevisíveis.)
Como é óbvio, ninguém pretende sujeitar os personagens que decidem realizar uma incursão pelo exercício de funções públicas a uma espécie de voto de castidade depois de concluir as referidas funções. Mas também acho que é manifestamente exagerado colocar a questão da “pobreza” dos ex-governantes se respeitarem integralmente o período de nojo a que legalmente estão sujeitos, como o fizeram Francisca van Dunem em entrevista após a sua saída do governo, ou agora Sérgio Sousa Pinto em aceso debate com Helena Matos do Observador na CNN Portugal. Independentemente de considerar que a atual legislação é uma brincadeira em termos de sanções aos infratores ativos ou passivos, a verdade é que a questão é muito simples. Parece cristalino que não pode ir-se trabalhar para uma qualquer empresa que tenha sido objeto de uma ajuda pública ou medida facilitadora atribuída precisamente por quem agora pretende ocupar o referido lugar.
É neste caso que a ex-Secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, revela uma ligeireza de espantar o mais incrédulo e não está em causa se a Fladgate merecia ou não a benesse fiscal que lhe foi concedida, admito mesmo que fosse incontestável. Aliás, a leveza da personagem já tinha sido revelada quando resolveu vir para a praça pública criticar o seu próprio Ministro em matéria fiscal. Que a levezinha Marques não foi surpresa para mim disso não tenho a mínima dúvida, já a decisão da Fladgate e penso que terá tido a anuência de Adrian Bridge me espanta, pois revela também uma leviandade extrema, conhecendo o âmbito legal que regula estas migrações do público para o privado.
Uma de duas, ou o período de nojo determinado pela lei contempla algum apoio público à reinserção na vida privada e, nesse caso e em função do montante desse apoio, poderemos ser mais exigentes quanto à lisura da migração, ou não o contempla e, nesse caso, é a ética e responsabilidade do ex-governante que têm de regular o assunto e evitar migrações contaminadas. Há casos em que o ex-governante foi alvo de requisição a uma entidade privada e nesse caso, para mal dos pecados da empresa de origem, o escrutínio é maior e a boa razão manda que o governante se abstenha de relacionar o governo com a empresa a que pertence. Mas tudo é regulável desde que os valores da transparência não sejam subvertidos.
Com esta trapalhada, a levezinha Marques obteve a notoriedade que talvez nunca tenha tido enquanto secretária de Estado (em Portugal, com o turismo que temos, manda a boa experiência que quanto menos mexer melhor) e a Fladgate perde a auréola que tinha de rigor e de uma situação potencialmente win-win chegamos a uma outra em que todos perdem e a leveza não ganhou espessura.
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