segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

A BOLHA

 

                                                                                (Jornal Público, link aqui)

(O jornal Público, nomeadamente no quadro da cooperação com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, tem dedicado às questões do imobiliário em Portugal uma relevante atenção. Este foco, à conta da importância que o imobiliário representa na alocação de recursos de investimento no Portugal democrático, traz-nos um contributo fundamental para compreender as derivas do nosso modelo de desenvolvimento. Dois artigos publicados na edição do Público de 29 e 30 de janeiro, o segundo inserido no âmbito da cooperação com a FFMS, reavivam as condições de perversidade do mercado imobiliário em Portugal, sobre a qual gostaria de elaborar alguma reflexão.

 

Através do intenso debate sobre a inflação americana que está em curso na blogosfera e na imprensa americanas, podemos perceber a importância dos preços da habitação, independentemente das controvérsias que regra geral acompanham a medida desse fenómeno e a escolha dos indicadores para integrar nos diferentes conceitos e medidas de inflação. Tal como o artigo da jornalista Rafaela Burd Relvas nos anuncia, a evolução do preço das casas em Portugal parece já evoluir em contraciclo com o observado na Europa, continuando a aumentar por cá, enquanto na Europa os números antecipam já uma queda significativa do mercado. Uma bolha à nossa escala parece estar em formação e como não há bolha que sempre dure os incautos que se acautelem, pois podem ter surpresas negativas. Como sempre, os últimos a entrar serão os mais penalizados.

Estes números sugerem uma perversidade do mercado e aqui é importante destacar o contributo do estudo da FFMS, com o nome de Susana Peralta à cabeça (link aqui), que se encarrega de desmistificar o papel do alojamento local na evolução desses preços. Esta desmistificação não significa que ignoremos as elevadas rendibilidades, comparadas com as apertadíssimas taxas de depósitos bancários, que alguns investimentos no alojamento local aos quais correspondem elevadas taxas de ocupação proporcionam, líquidos dos encargos de comercialização pagos a empresas especializadas.

Esta propensão inata dos portugueses para os investimentos nos não transacionáveis não é nova. Assim aconteceu em períodos passados, com relevo para a crise das dívidas soberanas em que a alocação de recursos a favor dos não transacionáveis, leia-se sobretudo o imobiliário, atingiu valores de exaustão, conhecidos pelas piores razões (os efeitos do ajustamento da Troika). O que parece ser novo nesta reedição de uma certa bolha imobiliária, é que ela acontece em simultâneo com a subida sem precedentes do peso das exportações do PIB. No terceiro trimestre de 2022, o peso das exportações no PIB a preços correntes atingiu o valor recorde de 51,8% (link aqui). Isto significa que o caráter penalizador do fim do período especulativo será hoje bem menos intenso do que o registado em 2011-2012. Isso deve-se ao facto de um número crescente de empresários e investidores ter compreendido que os mercados externos tenderão a compensar o risco de alguma incerteza trazido pelas novas condições de geopolítica a nível mundial.

Além disso, a atração pela especulação imobiliária não dispõe hoje das mesmas condições de aceleração fornecidas pelo crédito bancário como dispunha no passado, já que o regulador (ainda com a presença de Carlos Costa) que a banca fora um acelerador da deriva para os não transacionáveis.

De qualquer modo, embora a bolha imobiliária tenha hoje almofadas macroeconómicas ditadas pela relevância das exportações de bens e serviços, ela continua a revelar a dissonância entre investidores e empresários, os primeiros orientando-se para a procura de rendibilidades de expressão rápida e os segundos tendo de contar essencialmente com os seus próprios recursos, os fundos europeus de apoio à inovação e ao investimento produtivo e o recurso ao crédito para levar a cabo os seus próprios projetos.

A regulação desta perversidade do mercado imobiliário não passa obviamente pelo desaparecimento dessa modalidade de investimento, mas antes pela redução da sua expressão quantitativa e pela criação de mecanismos que permitam que parte desses recursos de investimento possam ser canalizados para o investimento produtivo transacionável. E obviamente pela contenção do crédito bancário para fins meramente especulativos.

 

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