quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

SEM GRANDES ESTADOS DE ALMA...

A Comissão Europeia tem dado alguns bons sinais de renovação e mudança em relação ao que caraterizou o seu comportamento durante longos anos passados, designadamente entre os pouco recomendáveis tempos de Durão ao comando e a amável inconsistência de Juncker. Com especial destaque para as muitas vergonhas que ocorreram aquando dos anos mais negros e duros da crise das dívidas soberanas. É neste quadro que a atual Comissão faz claramente a diferença, não obstante os excessos (de voluntarismo e de protagonismo próprio de Ursula), para o que basta recordar o que têm sido as suas posições e práticas efetivas perante a terrível pandemia que nos assolou e a guerra ucraniana que se lhe seguiu; sublinhando o mais importante, a saber, a sua inédita ida conjunta ao mercado para nele levantar meios significativos de financiamento para a recuperação das economias europeias (e o Next Generation EU, com os correspondentes PRRs, aí está em pleno e melhor ou pior funcionamento).

 

Entretanto, e já na segunda metade de 2022, a Comissão (muito empurrada pela iniciativa e experiência do comissário do Mercado Interno, o francês Thierry Breton) foi-se confrontando com a necessidade de tomar uma posição perante uma lei de forte pendor protecionista (porque integrando uma componente assente no estímulo ao “conteúdo produtivo nacional”) aprovada nos Estados Unidos com vista a apoiar o relançamento económico do país no novo contexto inflacionista, o chamado IRA (Inflation Reduction Act) contando com um orçamento em torno dos 500 mil milhões de euros. Mas, como frequentemente acontece na União, rapidamente se passou de uma fase centrada numa indignação e proclamação de temores e num debate político em torno de novas plataformas de política industrial na Europa para o anúncio de iniciativas algo deslocadas face ao que estava em jogo (o Clean Tech Europe, por exemplo, numa obsessiva agitação do “verde”) ou de iniciativas meramente desejadas, quiçá poderosas mas dificilmente adotáveis pelo Conselho (recorde-se o “Fundo Europeu de Soberania” de que veio falar a Presidente van der Leyen no seu discurso anual e que agora foi recuperado para o argumentário de Meloni e de outros líderes).

 

Entretanto, há um caminho que foi sendo feito pelos grandes países (Alemanha e França, concretamente) num sentido de “já agora”, isto é, o de aproveitarem o temporário aligeiramento da aplicação dos normativos sobre ajudas de Estado (aliás em claro proveito daqueles dois países, que beneficiaram com 77% das ajudas de Estado excecionalmente aprovadas) para o transformarem agora em algo mais duradouro e nacionalmente apropriável (com vários parceiros comunitários a reagirem criticamente pelo detrimento dos seus interesses próprios e, muito especialmente, em nome da defesa do mercado único e de uma oposição à viciação da concorrência). Mas os dados estão lançados e, entre omissões por distração deliberada/forçada e mexilhões sem expressão real, já apenas sobram alguns potenciais resistentes de relativo peso (Itália, Espanha, Holanda) a um tal comboio já em acelerado movimento, tudo indicando a consumação de uma situação que Vestager e os seus serviços não conseguirão travar ― aqui está mais uma boa ocasião para António Costa explorar as suas tão reconhecidas capacidades negociais, mais não seja trazendo como resultado para a Pátria qualquer pequena compensação salvadora das aparências. A construção europeia tem toques irritantes de incorrigibilidade, mas fazer o quê quando a alternativa é pior ou até não existe?

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