(Embora necessite de mais e melhor informação sobre o recém aparecido novo sindicato dos professores STOP para uma melhor contextualização do que ele significa, não podemos ficar indiferentes à força mobilizadora que ele tem revelado, com uma diversidade territorial apreciável e capacidade de iniciativa que cheira a algo de diferente. As razões para o seu êxito julgo que possam ser duas, sobretudo quando são percebidas combinando uma com a outra: por um lado, os problemas dos professores continuam aí a desafiar o Governo que parece fazer de conta e seguir uma outra visão sobre a gravidade desses problemas; por outro, o cansaço da classe relativamente ao mais do mesmo que os dois sindicatos existentes, ligados respetivamente à CGTP e à UGT, têm professado, independentemente do fraseado ser mais ou menos contundente. Trata-se de assunto a que este blogue não tem dedicado a atenção e a análise necessárias. É nesse sentido e com essa justificação que lhe dedico hoje algumas reflexões.
Gostaria de começar por uma espécie de ponto de ordem à mesa. Não questiono a importância de algumas metas que a governação atual estabeleceu à boleia dos Fundos Europeus, designadamente do Fundo Social Europeu, sobretudo através do Programa Operacional Capital Humano (POCH) que avança para o seu fim, com um nível de desempenho e impacto significativos (apresentarei publicamente, não sei bem ainda quando, os resultados da Avaliação Intercalar já concluída que é quase uma avaliação de impacto do POCH). Metas como a redução das taxas de retenção, de insucesso e de abandono escolar precoce, a redução da taxa dos que nem estudam, nem estão a trabalhar, nem estão em formação e a melhoria das qualificações do emprego correspondem a objetivos europeus, mas que estão perfeitamente em linha com as necessidades nacionais. Mas imaginar que a qualidade com que essas metas são alcançadas não depende do estado de alma e das insatisfações dos Professores corresponde a uma ilusão pérfida e perigosa. Sugere a existência no processo de agentes políticos que parecem glorificar apenas os números alcançados, ignorando olimpicamente a qualidade dos resultados alcançados. O que é a mesma coisa que ignorar a qualidade das aprendizagens e das qualificações.
Para mais, trata-se de problemas já perfeitamente diagnosticados e do conhecimento do atual Ministro da Educação que conhece o Ministério e o tema como ninguém, dada a tarimba adquirida em governos anteriores como Secretário de Estado.
Não erraremos muito se concluirmos que, além dos desafios de crescente complexidade e disfuncionalidade que a degradação das condições sociais está a colocar à Escola e aos Professores, pedindo aquela mais do que ela pode oferecer, a frustração dos Professores é o resultado de essencialmente três problemas: (i) o longo calvário dos contratados, percorrendo o país em busca de um horário, muitas vezes tendo de completar um horário completo, quando o conseguem, em diferentes escolas; (ii) as perspetivas de entrada na carreira desses precários dependentes de muito tempo para isso poder acontecer e sem poderem invocar o tempo de serviço que granjearam na gestão do seu tempo precário; (iii) o outro calvário da progressão na carreira, largamente dependente das quotas de desempenho que a margem de manobra orçamental politicamente definida acaba por impor.
Nas condições demográficas que vão atravessando a função docente, com a caterva de reformas no tempo devido e antecipadas pela frustração já assinalada, não dá para entender a perpetuidade do problema dos contratados. Podem dizer-me que o declínio demográfico obrigará, atingindo já os coortes etários jovens, ao estabelecimento de novas relações professor-aluno na sala de aula. Mas o problema é que não há sinais de que a governação esteja decidida a colocar a questão de modo frontal, clarificando de vez as duas décadas próximas do exercício da profissão. Tenho para mim que quanto às questões da progressão na carreira o modo precipitado como a questão da avaliação foi colocada no passado inquinou todo o processo. Ainda que saiba tratar-se de uma posição não muito popular, penso que os Professores perderam aí uma oportunidade única para construir um modelo de progressão baseado em resultados que, em meu entender, revolucionaria o processo e, sobretudo, tenderia a acabar de vez com a indesejável prática de progressão por quotas suscitada pela ginástica orçamental do Ministério.
Mas a questão que me parece merecer maior necessidade de debate e reflexão é o alarido que emergiu em torno da chamada “municipalização” da educação, no âmbito da atamancada descentralização que os governos do PS têm vindo a construir. E começo por referir que me parece que a estratégia seguida pelo Ministro João Costa nesta matéria foi suicida. Esta questão é das tais que ou é colocada com clareza e sem tibiezas ou truques de prestidigitação administrativa, ou dá origem a uma infinda confusão. Ora, esta matéria exige clareza de ambas as partes. Quanto aos professores, estão obviamente no seu direito de recusar qualquer processo de descentralização nos seus processos de seleção e recrutamento. Mas ao fazê-lo têm de estar preparados para as ineficiências de uma máquina centralizada sem grande ligação ao território. Tenho para mim que não existem processos de descentralização sem riscos, tanto mais sérios quanto mais essa descentralização de processos não seja enquadrada por legislação de enquadramento clara e discutida com os sindicatos. Ou se está contra ou a favor da descentralização. Ambas as posições exigem consciência dos riscos de cada uma das alternativas. Mas negar a descentralização com argumentos de futuras arbitrariedades não me parece uma posição razoável.
Entretanto, com este alarido, há duas questões que têm escapado ao debate público e aqui estou para o anotar.
Primeiro, a aposta política no aumento do peso dos alunos participantes em modalidades de educação com dupla certificação, escolar e profissional, com relevo sobretudo para os Cursos Profissionais que as Escolas Públicas começaram a oferecer, correu bem até um certo ponto, à boleia do financiamento europeu. A meta de atingir a paridade de peso com os cursos científico-humanísticos (se me perguntarem porque é que tem de haver paridade 50%-50% não vos sei dizer, é uma meta europeia daquelas que se importa talvez acriticamente) revela neste momento dificuldades de ser concretizada. Os últimos anos têm mesmo evidenciado uma queda do peso dos alunos a participar em cursos profissionais. Tudo indica, na minha modesta opinião, que a qualificação do ensino profissional tem de ser debatida em profundidade, entre outros motivos pela necessidade imperiosa de melhor informar a procura social das famílias e dos jovens. Esta questão atinge também os Professores e não tenho sentido abertura para a integrar no seu rosário de problemas.
A segunda nota é mais recente e foi, não direi sub-repticiamente, mas sem o relevo que deveria suscitar, divulgada na comunicação social nos últimos dias. O Ministério da Educação terá optado por limitar no ensino secundário o exame de 12º ano apenas aos que querem prosseguir estudos para o ensino superior. O que significa que os alunos que não evidenciem essa vontade de prosseguimento de estudos para o ensino superior não serão sujeitos a esse exame. Que me desculpem os Professores, mas estou também no meu direito de torcer o nariz a esta medida. Em meu entender, está aqui implícito um risco de aumento sério de desigualdade de tratamento e atenção, juntando a outras formas de discriminação, mais uma. Será que os alunos que não evidenciem vontade de ingressar no ensino superior irão estar sujeitos a uma falta de atenção e de interesse na sua qualificação efetiva?
Tenho andado em busca de informação oficial sobre as classificações de alunos de secundário em matérias que não são sujeitas a exame final nacional. Recordo-me de ter tido uma conversa com alguém que referia a existência desses dados terá provocado uma ideia tal junto do Ministério que vários travões foram colocados à sua divulgação. Como não tenho a certeza se interpretei bem essa conversa, irei nos próximos dias reforçar esse esclarecimento. Diziam os jornais de ontem ou de hoje que o número de países em que acontece esse facto é muito pequeno. Talvez não seja por acaso.
Voltarei ao assunto.
Sem comentários:
Enviar um comentário