quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

DESAFINAÇÕES (DES)PERCEBIDAS

De passagem pela Capital por outros motivos, aproveitei algumas horas livres do meu dia para me deslocar até à Gulbenkian e por lá assistir a partes do colóquio “Planeamento Público e Democrático”, organizado pelo “Observatório sobre Crises e Alternativas” (Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra). Uma realização muito meritória, contando com uma Comissão Científica de doze personalidades relevantes (Alexandre Abreu, Álvaro Garrido, Ana Costa, Ana Drago, João Cravinho, João Ferrão, João Ferreira do Amaral, João Rodrigues, José Reis, Manuel Carvalho da Silva, Paulo Pedroso e Ricardo Paes Mamede).

 

Na respetiva apresentação (“Enquadramento”), podia ler-se: “As profundas transformações vividas pela sociedade portuguesa ao longo das últimas duas décadas colocam hoje um conjunto de desafios relevantes à decisão pública, seja no domínio da economia e da inserção institucional no contexto europeu, seja ainda em matéria de provisão de bem-estar ou dos novos desafios perante os riscos ambientais e sanitários. Em boa verdade, os impactos múltiplos e diferenciados da pandemia na sociedade portuguesa nos últimos dois anos parecem ter tornado mais percetível a imbricação entre novas e velhas vulnerabilidades, que importa encarar e a que urge responder. Nesse sentido, torna-se hoje clara a necessidade de retomar a discussão e reflexão em torno dos processos de produção de escolhas políticas estruturantes e democraticamente sustentados, capazes de desenhar um horizonte estratégico de desenvolvimento em face desses múltiplos desafios. Para os enfrentar, as questões do planeamento ganham uma nova urgência e centralidade nas sociedades democráticas. Assim, o Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra pretende convocar a sociedade portuguesa para um debate sobre o planeamento público e democrático enquanto processo participado de capacitação da decisão pública. O objetivo é discutir e compreender o que significa planear; quais os atores pertinentes; as escalas envolvidas; a natureza do processo e os problemas de cada tempo; os resultados a alcançar; os custos da ausência de planeamento; a relação entre as deliberações e a sua execução; a relação com as dinâmicas privadas e com políticas públicas; a forma de tratar as grandes urgências que resultam das alterações climáticas e da insustentabilidade ambiental e os modos como os ciclos políticos acolhem as lógicas de médio e longo prazo e a participação democrática inerentes ao planeamento.” Uma fundamentação objetivamente pertinente, portanto; mesmo que passível de conter alguns enviesamentos essenciais.

 

O reencontro de alguns amigos e velhos conhecidos (como João Ferrão, José Félix Ribeiro, José Reis, Paulo Pedroso ou Manuel Brandão Alves), a somar a uns poucos de agradáveis contactos novos (como Ana Drago ou Alexandre Abreu), também tornou gratificante a incursão feita, contribuindo significativamente para a minha boa disposição de fim de dia. Só que, à medida que fui refletindo sobre o que pude ver e ouvir, alguma difusa sensação de incomodidade se foi apoderando de mim, julgo que predominantemente atribuível a uma gradual interiorização do inconsequente estado a que chegou a reflexão aplicada que por cá se vai fazendo, ademais em círculos cada vez mais marcados por zonas autocentradas de conforto ― sem contestar a espessura e a lucidez de João Ferrão, a marca interdisciplinar e a experiência de José Reis ou a preparação e a desenvoltura de Ricardo Paes Mamede, assim como a esforçada preocupação de foco que Luís Carvalho e alguns intervenientes em matérias de ordenamento do território evidenciaram, o que retive foi bem mais do foro proclamatório e/ou voluntarista, assim como de uma preferencial valorização dos quintais de cada um(a), do que a manifestação de um real interesse pela utilidade social das investigações priorizadas e de uma séria abertura a um desejável e aprofundado debate em torno. Claro que, mesmo não pretendendo ser juiz em causa própria, ainda não quero crer que tenha de admitir que o defeito resida, afinal, no meu já limitado e desfasado grau de perceção.

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