segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

BACIAS HIDROGRÁFICAS E A SEDUÇÃO DOS MAPAS

 


(Circularam pelas redes sociais algumas imagens sugestivas de representação colorida de rios e bacias hidrográficas de todo o mundo, elaboradas pelo cartógrafo e artista húngaro Robert Szuc. Creio que o material é elaborado com fins comerciais e na página do autor pode inclusivamente concluir-se que ele é suscetível de ser adquirido para fins meramente decorativos, dando corpo a uma atração que muito boa gente (link aqui), e não apenas os geógrafos, pelos mapas e pela representação do espaço que eles possibilitam. A jornalista do Público Cláudia Carvalho Silva terá sido alertada por esse alerta das redes sociais e deu ontem destaque na interessante secção do jornal designada de AZUL a essa matéria (link aqui). Utilizo esse destaque como tema do post de hoje porque me suscitou uma pequena reflexão sobre a história e o papel das bacias hidrográficas como base e matéria de planeamento regional em Portugal, designadamente nas raízes de constituição da CCDR-N e na divisão territorial que originalmente, para o bem e para o mal, foi institucionalizada.

 

Não tenho dúvidas de que a representação cartográfica se está a transformar numa arte sofisticada, de que a chamada cartografia simbólica, muito utilizada em estudos do sistema urbano e de geoestratégia territorial, por exemplo das macrorregiões europeias ou das regiões funcionais, tem vindo a ganhar uma grande popularidade. O trabalho de cartografia de Szuc é uma verdadeira filigrana de representação, como se os rios e bacias hidrográficas constituíssem uma espécie de sistemas arteriais dos territórios sujeitos a tal representação. Quem é seduzido por uma representação cartográfica vulgar, terá aqui neste material um vasto campo de observação e deleite.

 

Escolhi a representação do território continental e da Península Ibérica para ilustrar a obra refinada de Szuc, não perdendo de vista que subjacente a tais representações estão problemas sérios de gestão de água, designadamente no plano ibérico, que considero ser o principal teste de futuro ao estado das relações transfronteiriças entre Portugal e Espanha. Para lá da beleza das representações estão problemas sérios, que serão altamente desafiantes para a diplomacia de ambos os países. Que comecem os transvases dirão alguns incendiários e isso basta para perceber o que tenho em mente.

Mas não foi por esse motivo que trouxe o assunto ao post de hoje. A história do planeamento em Portugal, bem como noutros países como os EUA, está indissociavelmente ligada à matriz do planeamento das bacias hidrográficas. No caso da região Norte, sobretudo com a inspiração do Professor Valente de Oliveira, a delimitação e configuração territorial da Região estão profundamente ligadas às bacias do Minho, do Cávado e do Douro e respetivos afluentes. Como é óbvio, a partir do momento em que a problemática do desenvolvimento começou a complexificar-se (o desenvolvimento é mesmo isso, um processo de complexificação estrutural, e quando isso não acontece é mau sinal), as bacias hidrográficas perderam ânimo e gás. Outras geometrias variáveis se lhe sucederam, entusiasmando os planeadores, do policentrismo às regiões funcionais, sempre de candeias às avessas com a rigidez das delimitações administrativas.

Mas se pensarmos bem, talvez nenhum outro critério de organização das atividades de planeamento tenha sido tão robusto como o das bacias hidrográficas. E, além disso, com uma intuição algo premonitória, pois nunca como hoje o tema da água foi tão relevante. Organizar uma região em torno de bacias hidrográficas é criar condições para a difícil cooperação entre quem está a montante e a jusante.

Não posso deixar de pensar neste elemento estruturante quando hoje, por interesses meramente estatísticos e para permitir golpes de rins de adaptação à elegibilidade dos Fundos Europeus, se vai retalhando o território ao sabor das conveniências e sem quaisquer elementos históricos de cooperação a servir de cimento à construção de uma consciência regional, que declaradamente não existe em Portugal.

 

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