domingo, 15 de janeiro de 2023

LIÇÕES A RETER

“O regresso triunfal do romance”, assim caraterizou a crítica literária Helena Vasconcelos (HV) a última obra (“Lições”) de Ian McEwan. Pessoalmente, que com ele ocupei boa parte dos meus tempos de leitura livre nas férias de Natal, não só não posso estar mais de acordo como acrescentarei ainda que se tratou do melhor romance que li em 2022. Apesar de muito desvalorizado pela crítica inglesa pela sua extensão ― e, em alguns casos, pelo seu caráter “digressivo” ―, nada disso me parece de justiça para com McEwan: como também escreveu HV, “numa época em que nos é imposto o imediatismo dos tweets e das confissões relâmpago nas redes sociais”, talvez esta seja mesmo “a forma de regressar a um ‘convencionalismo’ que, de tão surpreendente, pode ser considerado revolucionário”.

 

Ali temos, pois, “o homem banal que atravessa o tempo e o espaço, tendo como pano de fundo o tumulto do mundo” ou, se quisermos uma definição menos original “uma reflexão sobre o envelhecimento e uma constatação do absurdo da existência”. E, como sempre gosto de procurar ilustrar com a palavra do próprio, ei-la por fim a propósito da atualidade deste tempo em que o protagonista Roland se aproxima do ocaso da vida: “Aceitava que o pessimismo era o bom companheiro do pensamento e do estudo, que o otimismo era o negócio dos políticos, e ninguém acreditava neles”. Ou, ainda: “Por muito que não quisesse, havia coisas novas muito feias. Havia nações dirigidas por bandos de criminosos bem vestidos, com a intenção de enriquecerem, mantidos pelos serviços de segurança, pela reescrita da história e por um nacionalismo apaixonado. A Rússia era apenas um exemplo. Os EUA, numa explosão de raiva, de conspirações delirantes e supremacia branca, podiam tornar-se outro. A China tinha refutado a ideia de que o comércio com outros países abria as mentes e as sociedades. Agora a tecnologia estava disponível, poderia aperfeiçoar o Estado totalitário e oferecer um novo modelo de organização social para competir com as democracias liberais ou substituí-las ― uma ditadura sustentada por um fluxo fiável de bens de consumo e um grau de genocídio seletivo.” Mas tanto mais consta, sobretudo em matérias introspetivas, relacionais e sociais, de um trabalho notável que sugiro não deixem de considerar.

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