quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

A ACELERAÇÃO DO TEMPO

 


(A graça do diálogo entre o Tintim e o Capitão Archibald Haddock, perante o inigualável espanto do Milu, tem-me passado pela mente nos últimos tempos, tal é a aceleração do tempo percebida. Assim, como em termos metereológicos existe a conhecida expressão “it feels like”, dando a entender que a perceção da temperatura nem sempre é a real, também acho que deveria existir algo de semelhante relativamente às semanas que se vão inexoravelmente abatendo sobre nós, embora suspeite que as semanas serão sempre percebidas como mais curtas do que elas são efetivamente. Pode ser que a decisão autoassumida de não trabalhar à sexta-feira, infelizmente muitas vezes quebrada pela força premente do trabalho que não se compadece com estas estratégias pretensamente racionais de transição para a vida inativa, seja a origem dessa perceção da aceleração do tempo. O Eixo do Mal emerge frequentemente como o indicador de fim de semana. Mas para mim a aceleração vem essencialmente da nossa convivência diária, pessoal e profissional com a tecnologia que contribui poderosamente para essa aceleração.

 

What a week! Diz o truculento Haddock, que neste caso não profere a sua proverbial praga ou insulto. E a calma do Tintim responde-lhe que ainda é quarta-feira. É assim como me sinto muitas vezes por estes tempos.

Por razões de trabalho conjunto com o meu Amigo Professor Pedro Guedes de Oliveira, em torno de um trabalho de revisão do Catálogo Nacional de Qualificações para o setor da Informática, Eletrónica e Telecomunicações, também com a participação da nossa grande especialista sobre qualificações e competências, Leonor Rocha, que temos o gosto de acolher nos quadros da Quaternaire, tenho mergulhado nos grandes fatores ou drivers de transformação tecnológica que pressionam as qualificações e competências dos profissionais intermédios que trabalham nestas setores e atividades. E não me tem sido difícil perceber que a combinação das tecnologias de automação (robotização, inteligência artificial e outras) e das tecnologias de transformação digital (Internet das coisas; cloud, data science, realidade aumentada, blockchain, plataformas de comércio e negócio eletrónico e outras) está a revolucionar a nossa maneira de trabalhar. Mas mais do que isso estão a transformar a nossa perceção do tempo. A perspetiva bondosa é a de que estão a revolucionar a nossa produtividade e eficiência pessoais, permitindo libertar mais tempo para o lazer. A perspetiva menos bondosa é a de que nos infernizam a vida, pois essa própria libertação do recurso tempo para dedicação a doses adicionais de lazer a caba com muita probabilidade por passar também pela utilização de tais tecnologias.

What a hell!

Das interessantes leituras e pesquisas que tenho realizado, destaco hoje um aspeto captado na investigação do McKinsey Global Institute, datada de 2017, mas que tem sido sistematicamente aprofundada depois dessa data.

Trata-se de uma identificação de capacidades aparentemente reservadas à atividade e raciocínio humanos, pensávamos nós, mas que estão progressivamente a ser penetradas pelas tecnologias de automação, que têm avançado paulatinamente nesse sentido. Aprendi em temos a distinção fundamental entre atividades rotinizáveis e não rotinizáveis, correspondendo as primeiras às que apresentam uma maior probabilidade de automatização e computação. Mas essa distinção está contextualizada no tempo. O persistente progresso técnico, embora exigindo cada vez mais investigadores e realizado com menor produtividade da I&D, encarrega-se de transformar essa distinção em algo cada vez mais “fuzzy” (nebuloso).

Eis a tabela da McKinsey devidamente traduzida. E hoje é quarta-feira.

Tipos de capabilities

O que a automação pode fazer

Nível de importância (a)

Descrição da capability

Perceção sensorial

Perceção sensorial

Mediana

Inferir e integrar autonomamente perceção externa complexa utilizando sensores

Capacidades cognitivas

Reconhecer padrões/categorias conhecidos (aprendizagem supervisionada)

Quartil superior

Reconhecer padrões e categorias conhecidos simples e complexos além da perceção sensorial

Gerar novos padrões/categorias

Abaixo da mediana

Criar e reconhecer novos padrões/categorias (por exemplo, categorias hipotéticas)

Raciocínio lógico/ resolução de problemas

Abaixo da mediana

Resolver problemas de modo organizado utilizando informação de contexto e variáveis de input progressivamente complexas além da otimização e planeamento

Otimização e planeamento

Quartil superior

Otimizar e planear resultados fixados com várias restrições

Recuperação de informação

Idem

Procurar e recuperar informação a partir de uma grande quantidade de fontes (extensão, profundidade e grau de integração)

Criatividade

Abaixo da mediana

Criar ideias novas e diversas ou novas combinações de ideias

Coordenação envolvendo múltiplos agentes

Idem

Interagir com os outros, incluindo humanos, para coordenar a atividade de grupo

Articulação/apresentação de resultados

Mediana

Disponibilizar produtos/visualizaç~ões através de uma diversidade d emeikos além da linguagem natural

Processamento de linguagem natural

Geração de linguagem natural

idem

Endereçar mensagens em linguagem natural, incluindo interação humana matizada e e alguma quase-linguagem (por exemplo gestual)

Compreensão de linguagem natural

Abaixo da mediana

Compreender a linguagem, incluindo interação humana matizada

Capacidades sociais e emocionais

Sensorização social e emocional

idem

Identificar estados sociais e emocionais

Raciocínio social e emocional

Idem

Elaborar com rigor conclusões sobre estados sociais e emocionais e gerar respostas/ações apropriadas

Produtos sociais e emocionais

Idem

Produzir um resultado emocionalmente apropriado (por exemplo um discurso, linguagem corporal)

Capacidades físicas

Aptidões/destreza motoras apuradas

Mediana

Manipular objetos com destreza e sensibilidade

Aptidões motoras gerais

Quartil superior

Mover objetos com aptidões motoras multidimensionais

Navegação

Idem

Navegar autonomamente em diversos ambientes

Mobilidade

Abaixo da mediana

Movimentar-se em e entre diversos ambientes e terrenos

Fonte: Mackinsey Global Institute Analysis – in A Future that Works: Automation, employment and productivity, Janeiro de 2017; (a) por comparação com o desempenho humano das tecnologias já existentes.

 

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