sábado, 7 de janeiro de 2023

AGUARELA DO BRASIL (I)

 

Um dos momentos mais impressionantes da minha passagem por Brasília esteve na visita ao belíssimo Museu Nacional da República no dia da inauguração da muito representativa exposição “Brasil Futuro ― As Formas da Democracia”, brilhantemente organizada com bastante secretismo e em tempo recorde (dezanove dias) por equipas da área da Cultura próximas do presidente eleito Lula da Silva, sob o alto patrocínio de Janja (o nickname da primeira-dama Rosângela) e a competente curadoria de Lilia Schwarcz, Márcio Tavares, Rogério Carvalho e Paulo Vieira.

 

Trata-se, de facto, de uma incomparável visualização do que atualmente está em jogo no Brasil sob o ponto de vista do novo poder empossado a 1 de janeiro, através da apresentação de cento e oitenta obras de artistas brasileiros de reconhecida qualidade (incluindo Adriana Varejão, António Obá, Bárbara Wagner, Beatriz Milhazes, Cildo Meireles, Daiara Tukano, Denilson Baniwa, Desali, Djanira, Emiliano Di Cavalcanti, Flávio Cerqueira, Frederico Costa, Glauco Rodrigues, Josafá Neves, Larissa de Souza, Leda Catunda, Marilá Dardot, Paulo Nazareth, Regina Pessoa, Rodrigo Bueno, Rosana Paulino, Rubem Valentim e Tiago Sant’Ana, entre outros notáveis), obras vindas um pouco de toda a parte (geográfica, geracional ou em termos de género e raça) e que exaltam a democracia, a diversidade cultural e a identidade plural do país segundo três grandes tópicos por demais fortes e elucidativos: “Retomar Símbolos”, “Descolonizar” e “Somos Nós”.




A apresentação da mostra arranca assim: “A beleza da democracia está na sua incompletude. A beleza e o desafio. Beleza, pois o termo carrega sua própria utopia: é sempre necessário ousar mais e estar preparado para lidar com novos direitos e demandas da sociedade. Incompletude, pois direitos nunca estão conquistados para sempre. É preciso conquistá-los uma vez mais. Começar outra vez. No Brasil, as questões da igualdade e da diversidade, da conquista dos direitos civis para todas e todos, bem como o estabelecimento de políticas de reparação, são ainda desafios urgentes da nossa agenda cidadã.” Sendo ainda de notar que a obra de Djanira que se encontra exposta ― “Orixás” (1966), retratando divindades femininas de religiões de matriz africana (ver abaixo) ― pertence ao acervo do Palácio da Alvorada (de onde terá sido retirada por imposição de Michelle Bolsonaro) e já abriu uma grande polémica quanto ao modo alegadamente individualizado, reacionário e danoso com que a mulher do ex-presidente se apropriou dos espaços oficiais que provisoriamente ocupava. Apenas sugerindo uma antecipação do que irá marcar o tempo que aí vem num Brasil profundamente dividido e onde as dimensões simbólicas tanto contam e podem fazer a diferença. A tal me referirei em pinceladas que prevejo esboçar paulatinamente no contexto de próximos posts dedicados.


(Marília Marz, http://folha.uol.com.br)


(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

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