quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

MIND THE GAP, DEUTSCHE BANK

 
Passou mais despercebida do que mereceria uma notícia de há semanas que envolvia o austero e intocável Deutsche Bank (DB) num incidente de fraude financeira. Sem descer a dispensáveis detalhes, a história conta-se em poucas palavras: três funcionários do banco alemão, entretanto despedidos, apresentaram queixas separadas junto da reguladora financeira americana SEC (“Securities and Exchange Commission”) declarando que o mesmo não terá registado devidamente operações relativas a produtos derivados complexos durante o auge da crise financeira de 2007/09.
 
Tais alegações revestem-se de um significativo grau de gravidade por diversas ordens de razões:
·         porque os ditos funcionários parecem gente de perfil impoluto e credível, com destaque para Eric Bem-Artzi (matemático, PhD pela New York University, experiência de trabalho em outros bancos);
·         porque o então CEO, Josef Ackermann, se fartou de produzir auto-elogios quanto ao facto de o banco ter passado incólume perante as inúmeras acusações que a crise fez enfrentar aos seus congéneres;
·         porque era gigantesca (valor nominal de 130 mil milhões de dólares) a posição do DB no principal produto derivado em questão, designado por LSS (“leveraged super senior”), e dominante (entre 65 e 80%) a respetiva quota de mercado;
·         porque os prejuízos que terão sido escondidos poderão ascender a milhares de milhões de euros, entre um mínimo de 4 e um máximo de 12 segundo as estimativas disponíveis;
·         porque a assunção dessas perdas poderia ter conduzido o banco à necessidade de enormes reforços de capital e, no limite, à iniciativa de um resgate por parte do governo germânico;
·         porque tudo indica que a tónica que esteve subjacente às referidas práticas, que a todos enganaram ((clientes, acionistas, autoridades de regulação e público em geral) foi bem mais caraterizada pela opacidade do que pelo simples descuido;
·         porque estaremos assim em face do desvendar de mais um de tantos episódios desconhecidos dessa vaga de “financiarização” do capitalismo que assaltou o mundo nas últimas décadas;
·         porque poderemos estar assim em face de novos elementos para uma reinterpretação das responsabilidades pela crise financeira americana e seus efeitos (papel central de alguns bancos não nacionais e, em particular, do DB em “tornar vastas faixas de Ohio, Wisconsin, Califórnia e Florida num descampado de propriedades abandonadas”), contribuindo para atiçar um potencialmente explosivo conflito regulatório transatlântico.
 
Surgem crescentes apelos auto-preservatórios a que não se brinque com o fogo deitando achas para uma fogueira adormecida (“let sleeping dogs lie”), mas existem também argumentações razoáveis em sentido contrário: “se o Lehman Brothers não tivesse que apresentar os seus livros durante seis meses, poderia ainda estar no negócio” ou “se o Deutsche tivesse apresentado os seus livros poderia ter ficado na mesma posição do Lehman”.
 
Alguém me dizia sobre este assunto que os banqueiros e os gestores de fundos especulativos são absolutamente incorrigíveis. Sobretudo porque, a confirmar-se a veracidade deste relato, estaremos regressados a um daqueles casos dignos da máxima (“desde que vi um porco a andar de bicicleta, já nada me admira”) que o ex-árbitro Vítor Correia tornou famosa. É que a questão, sendo certamente de “risco moral”, aponta sobretudo para uma “passion to perform” tão desconcertante quanto evidenciadora da insuficiência dos alicerces em que parecemos sustentados…

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