Passou mais despercebida do que
mereceria uma notícia de há semanas que envolvia o austero e intocável Deutsche
Bank (DB) num incidente de fraude financeira. Sem descer a dispensáveis
detalhes, a história conta-se em poucas palavras: três funcionários do banco
alemão, entretanto despedidos, apresentaram queixas separadas junto da
reguladora financeira americana SEC (“Securities and Exchange Commission”)
declarando que o mesmo não terá registado devidamente operações relativas a
produtos derivados complexos durante o auge da crise financeira de 2007/09.
Tais alegações revestem-se de um
significativo grau de gravidade por diversas ordens de razões:
·
porque os ditos funcionários parecem gente de perfil
impoluto e credível, com destaque para Eric Bem-Artzi (matemático, PhD pela New
York University, experiência de trabalho em outros bancos);
·
porque o então CEO, Josef Ackermann, se fartou de
produzir auto-elogios quanto ao facto de o banco ter passado incólume perante
as inúmeras acusações que a crise fez enfrentar aos seus congéneres;
·
porque era gigantesca (valor nominal de 130 mil
milhões de dólares) a posição do DB no principal produto derivado em questão,
designado por LSS (“leveraged super senior”), e dominante (entre 65 e 80%) a
respetiva quota de mercado;
·
porque os prejuízos que terão sido escondidos poderão
ascender a milhares de milhões de euros, entre um mínimo de 4 e um máximo de 12
segundo as estimativas disponíveis;
·
porque a assunção dessas perdas poderia ter conduzido
o banco à necessidade de enormes reforços de capital e, no limite, à iniciativa
de um resgate por parte do governo germânico;
·
porque tudo indica que a tónica que esteve subjacente
às referidas práticas, que a todos enganaram ((clientes, acionistas,
autoridades de regulação e público em geral) foi bem mais caraterizada pela
opacidade do que pelo simples descuido;
·
porque estaremos assim em face do desvendar de mais um
de tantos episódios desconhecidos dessa vaga de “financiarização” do
capitalismo que assaltou o mundo nas últimas décadas;
·
porque poderemos estar assim em face de novos
elementos para uma reinterpretação das responsabilidades pela crise financeira
americana e seus efeitos (papel central de alguns bancos não nacionais e, em
particular, do DB em “tornar vastas faixas de Ohio, Wisconsin, Califórnia e
Florida num descampado de propriedades abandonadas”), contribuindo para atiçar
um potencialmente explosivo conflito regulatório transatlântico.
Surgem crescentes apelos auto-preservatórios
a que não se brinque com o fogo deitando achas para uma fogueira adormecida
(“let sleeping dogs lie”), mas existem também argumentações razoáveis em
sentido contrário: “se o Lehman Brothers não tivesse que apresentar os seus livros
durante seis meses, poderia ainda estar no negócio” ou “se o Deutsche tivesse
apresentado os seus livros poderia ter ficado na mesma posição do Lehman”.
Alguém me dizia sobre este assunto que
os banqueiros e os gestores de fundos especulativos são absolutamente
incorrigíveis. Sobretudo porque, a confirmar-se a veracidade deste relato,
estaremos regressados a um daqueles casos dignos da máxima (“desde que vi um
porco a andar de bicicleta, já nada me admira”) que o ex-árbitro Vítor Correia
tornou famosa. É que a questão, sendo certamente de “risco moral”, aponta sobretudo
para uma “passion to perform” tão desconcertante quanto evidenciadora da insuficiência
dos alicerces em que parecemos sustentados…
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