Além do cinismo profundo que revelam, além do
caótico estado a que chegou a Europa que evidenciam e além do ofensivo paternalismo
com que nos brindam, o que querem verdadeiramente dizer as declarações dos
ministros das Finanças alemão e francês, ontem no Eurogrupo?
Porque tais declarações são tanto menos para
rir quanto ocorrem na direta sequência das seguintes três outras:
·
as do presidente Jean-Claude
Juncker, que aqui comentei em post de 27 de novembro (“A Grécia e o nosso amigo
Juncker”);
·
as do ministro das Finanças na
Assembleia da República, no mesmo dia 27, encerrando a discussão do OE para
2013: “Portugal e a Irlanda, países de programa, serão – de acordo com o
princípio da igualdade de tratamento adotado na Cimeira da Área do Euro em
julho de 2011 – beneficiados pelas condições abertas no quadro do Mecanismo
Europeu de Estabilidade Financeira”;
·
as do primeiro-ministro em
entrevista à TVI no dia 28: “Está adquirido, desde o Conselho Europeu de julho
de 2011 – de resto por uma iniciativa minha que foi secundada pelo
primeiro-ministro irlandês –, que tudo o que vigorar em qualquer dos programas
de ajustamento deve ter uma regra de igualdade de tratamento nos restantes.”
Deixo de lado o provinciano “iniciativa minha”
de Passos e o imperialista “nem a Irlanda nem Portugal me apresentaram essa
ideia” de Schauble. E foco-me apenas no que de estratégia europeia primária
subjaz àquelas declarações: (i) um isolamento da Grécia mal comportada (“um
caso muito específico”) e um correspondente enaltecimento da atitude dos bem
comportados meninos Pedro e Vítor; (ii) um rebuçado com que se espera poder recompensar
estes, após as eleições alemãs de setembro de 2013, proporcionando-lhes a ficcionada
“vitória” de um retumbante regresso aos mercados.
Detalhemos um pouco mais a coisa. O que estará
verdadeiramente em causa será empurrar a economia portuguesa para uma situação
que leve os credores do País a acreditarem na sua capacidade para pagar a
dívida que sobre ele incumbe. E tal situação pressupõe, segundo a vulgata que
os rege, a contração da economia para um nível tão baixo quanto possível (“empobrecimento”)
como forma de assim se gerar o excedente externo que constitui o melhor garante
de um continuado e futuro cumprimento por parte dos portugueses. Ou seja, far-se-á
o máximo que se puder sobre o défice público e as restantes variáveis nominais –
sem grandes preocupações quanto ao acerto das previsões, como Gaspar entretanto
já anunciou –, mas será o excedente externo que passará a funcionar como a real
prioridade a Sul (ver abaixo um elucidativo gráfico do “Financial Times”).
Só que a verdadeira coisa não se afigura
assim tão simples. Porque, como dizem quase todos os políticos, há pessoas além
dos números. E o que a Grécia estará a ilustrar de mais relevante tem muito a
ver com o facto de o axiomático equilíbrio em baixa não parecer exequível,
sobretudo na medida em que não resulta em algo de socialmente suportável para
os cidadãos, as famílias e as empresas. Constatada esta impraticabilidade, resta
isolar os malfeitores e deles receber o que puder ser recebido (“perdão da
dívida”).
Acontece que, ao contrário do que se pretende
e procura fazer crer, as dimensões social e política ganham uma expressão
crescentemente incontrolável em Portugal e tornam a irrepetibilidade grega cada
vez menos provável. Portugal segue a passos largos a trajetória grega – o seu passado
recente foi o passado da Grécia, o seu presente é a Grécia de 2011 e o seu futuro
próximo poderá ser a Grécia de 2012. O que equivale, citando uma das recentes crónicas de Daniel Deusdado
no JN, a um tristérrimo “até já”…
Sem comentários:
Enviar um comentário