segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

TEMPOS E LUGARES, PESSOAS E COISAS

 

Li durante este fim de semana “A Lebre de Olhos de Âmbar” do ceramista britânico Edmund de Waal, provavelmente a obra literária mais deslumbrante que me passou pelas mãos em 2012. Nela converge um “mix” bem-sucedido de géneros: memória de família, literatura de viagem, ensaio (histórico, sociológico e urbano, sobre a guerra e o judaísmo, sobre migrações e exílio, sobre inter-culturalidades) e até (como alguém sugeriu) um intraduzível “thing-book”. Mas é o próprio autor quem melhor a define: “Já não sei se este livro é sobre a minha família, sobre a memória, sobre mim mesmo, ou se será ainda um livro sobre pequenos objetos japoneses”.
 
Percorrendo as suas páginas, a subjetividade de cada um encontrará certamente os elementos de atração, comoção mesmo, que lhe sejam mais marcantes. Pessoalmente, fui sendo subjugado por uma improvável combinação de evocações que caraterizaria como de requinte e perda. Num plano macro-social, não resisti ao século XX narrado por este descendente dos Ephrussi (com passagens por Odessa, Paris, Viena, Kövecses, Tunbridge Wells, Tóquio e Londres) nem aos seus múltiplos estímulos recordatórios (a escadaria potemkiniana, a Ringstrasse, uma capa da "Life" de 1964), nem, muito em especial, àquela “estranha correlação entre Viena em 1919 e Tóquio em 1947”. Mas também me tocaram fundo, numa dimensão mais intimista, aquelas confissões de Iggie ao sobrinho-neto (“Envelhecer no Japão é maravilhoso” ou “Tenho saudades disso. Do que não cheguei a ter.”), aquela imagem desse “grande financeiro discretamente escondido atrás da secretária, com um livro de poesia escondido entre os livros de contabilidade, a ansiar pela liberdade do fim do dia” ou aquela passagem central onde De Waal revela o modo como “essa velhota que ainda vive por aí” (Anna, a antiga criada) criou a “herança escondida”.
 
Tudo a partir de uma coleção de 264 pequenas esculturas japonesas (“netsuke”) de madeira e marfim, nenhuma maior do que uma caixa de fósforos! Sendo que, como refere De Waal, “os objetos sempre foram levados e trazidos, vendidos, negociados, roubados, recuperados, perdidos” e que “as pessoas sempre os ofereceram como presentes”, pelo que “o que importa é como se conta a sua história” – esta é-o assombrosamente…

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