Li durante este fim de semana “A Lebre
de Olhos de Âmbar” do ceramista britânico Edmund de Waal, provavelmente a obra
literária mais deslumbrante que me passou pelas mãos em 2012. Nela converge um “mix” bem-sucedido
de géneros: memória de família, literatura de viagem, ensaio (histórico, sociológico
e urbano, sobre a guerra e o judaísmo, sobre migrações e exílio, sobre
inter-culturalidades) e até (como alguém sugeriu) um intraduzível “thing-book”. Mas
é o próprio autor quem melhor a define: “Já não sei se este livro é sobre a
minha família, sobre a memória, sobre mim mesmo, ou se será ainda um livro
sobre pequenos objetos japoneses”.
Percorrendo as suas páginas, a subjetividade de cada um encontrará certamente os
elementos de atração, comoção mesmo, que lhe sejam mais marcantes. Pessoalmente, fui sendo
subjugado por uma improvável combinação de evocações que caraterizaria como de requinte e perda. Num
plano macro-social, não resisti ao século XX narrado por este descendente dos
Ephrussi (com passagens por Odessa, Paris, Viena, Kövecses,
Tunbridge Wells, Tóquio e Londres) nem aos seus múltiplos estímulos recordatórios (a escadaria potemkiniana, a Ringstrasse, uma capa da "Life" de 1964), nem, muito em especial, àquela “estranha correlação
entre Viena em 1919 e Tóquio em 1947”. Mas também me tocaram fundo, numa
dimensão mais intimista, aquelas confissões de Iggie ao sobrinho-neto (“Envelhecer no Japão é maravilhoso” ou “Tenho
saudades disso. Do que não cheguei a ter.”), aquela imagem desse “grande
financeiro discretamente escondido atrás da secretária, com um livro de poesia
escondido entre os livros de contabilidade, a ansiar pela liberdade do fim do
dia” ou aquela passagem central onde De Waal revela o modo como “essa velhota
que ainda vive por aí” (Anna, a antiga criada) criou a “herança escondida”.
Tudo a partir de uma coleção de 264 pequenas
esculturas japonesas (“netsuke”) de madeira e marfim, nenhuma maior do que uma
caixa de fósforos! Sendo que, como refere De Waal, “os objetos sempre foram
levados e trazidos, vendidos, negociados, roubados, recuperados, perdidos” e que
“as pessoas sempre os ofereceram como presentes”, pelo que “o que importa é
como se conta a sua história” – esta é-o assombrosamente…
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