(La Cantante 1926, Juan Gris, Coleção Fundación Telefónica)
O fim de semana traz
sempre consigo um intenso cacarejar escrito e falante da comunicação social,
sendo cada vez mais difícil reter alguma ideia relevante. O consumismo
vulgarizador das ideias ataca em massa e a prática pessoal de passar os olhos
ao de leve pelos títulos é suficiente para se compreender de relance a
vacuidade do que se vai escrevendo por aí. De quando em vez, o deslocamento da
atenção para alguma imprensa internacional consegue furar essa vacuidade. Por
exemplo, o suplemento do El País dos sábados, o Babelia, é um excelente
reencontro com algum conteúdo. O de ontem, que recomendo vivamente, tem vários
motivos de interesse. Em primeiro lugar, um artigo crucial sobre o novo
vanguardista do flamengo (Israel Galván), sobre o qual vale a pena dar uma
olhada a alguns vídeos no You Tube
(vejam A Curva, por exemplo), um raro exemplo de como pode existir uma
desconstrução genial do mais tradicional. O seu espetáculo no Teatro Real sobre
o Holocausto cigano deve ser de arrepiar. Depois, dois artigos de dois grandes
prosadores espanhóis: Antonio Muñoz Molina (sobre o cubista espanhol Juan Gris)
e de Enrique Vila-Matas em torno da sua vinda ao Festival de Cinema do Estoril
a convite de Paulo Branco e do Estado das Coisas de Wim Wenders que ele
considera ser o filme da sua geração.
Retirando esta incursão
pelo Babelia, palavras sábias podem ser encontradas na entrevista de Niels
Westergard-Nielsen da Universidade dinamarquesa de Aarhus ao Público de sábado.
A sabedoria está na forma como destaca a especificidade do modelo dinamarquês
de flexisegurança. Ou seja, uma extrema flexibilidade do mercado de trabalho,
com vantagens inequívocas para os mais jovens, mas acompanhada por proteção
social efetiva no desemprego e sobretudo um sistema de fiscalização e vigilância,
capaz de controlar a não adulteração dessa proteção e apostando sempre numa
avaliação custo-benefício das políticas de ativação de desempregados, sem dúvida
bastante caras. Quer isto significar que o grau de flexibilização laboral numa
sociedade que preze a coesão social não pode ser conduzida à revelia da proteção
social no desemprego ou em conformidade com a sua desmontagem. Palavras
cruciais para iluminar o debate sobre a reforma estrutural do mercado de
trabalho em Portugal.
Palavras não tão sábias
como isso encontramo-las no manifesto encabeçado por Mário Soares de apelo à
mudança de políticas por parte de Passos Coelho ou em alternativa à sua demissão.
Com a contundência que é sua marca, Vasco Pulido Valente já desancou hoje no Público
o suficiente sobre o que subjaz a esse manifesto. Irei talvez mais longe,
correndo o risco de chocar alguns dos meus conhecidos. Mas uma certa opinião
política em Portugal que continua a estruturar o seu pensamento em função do
que o 25 de Abril de 1974 representou face ao regime ditatorial que nos
conduziu ao isolamento e atavismo que presidiu à sociedade portuguesa até então
representa, em meu entender e por mais controversa que o possa ser, um obstáculo
à modernidade do pensamento político em Portugal. Sim, um obstáculo à
modernidade. Então porquê? Porque invocar alternativas de política (necessárias
para suster o empobrecimento cumulativo em que nos poderemos enredar) à
governação atual fazendo-o apenas com base numa espécie de capitalização dos
valores da geração de Abril e sem mediação com a intervenção política de hoje,
com as forças políticas que temos ou sem gerar alternativas às mesmas, é pura
retórica revivalista, sem qualquer lastro de influência na opinião pública e na
cultura democrática. É cruel, sobretudo quando Mário Soares encabeça esse
manifesto. É, de facto. Mas o que temos hoje não é o que determinou o 25 de Abril.
Temos um quadro democrático, por mais críticas e reservas que possamos colocar à
sua qualidade. É nesse quadro e no da valorização de uma sociedade civil mais
interveniente que deveremos refletir. Por muito que incomode e frustre os que
viram na mudança de 74 o caminho para uma modernidade inclusiva.
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