terça-feira, 18 de dezembro de 2012

ANTÓNIO FERREIRA, A NÃO PERDER


Venho chamar a atenção dos leitores mais distraídos para que não percam o registo da presença de António Ferreira, o professor que preside ao Conselho de Administração do Hospital de S. João (Porto), no “Olhos nos Olhos” desta noite na TVI 24. Foi perante dois interlocutores desconchavados, uma Judite em permanente modo de salivação e um Medina em constante procura de espalhafato, que pudemos assistir à sólida e sóbria prestação de um profissional de mão cheia que o País tarda em reconhecer.
 
Apenas para “abrir o apetite”, junto algumas das suas afirmações mais chamativas ou contundentes, que não necessariamente todas as mais relevantes:

·         “Há muitos problemas, o principal dos quais é a sustentabilidade.”

·         “O dinheiro que é afectado à saúde, a meu ver, é suficiente.”

·         “Nós temos uma capacidade hospitalar de adultos que é, a meu ver, excedentária.”

·         “Nós fazemos em Portugal, ou fizemos em 2010, 196675 cirurgias no Sistema Nacional de Saúde, em todas as especialidades. Temos em Portugal cirurgiões especialistas, não estou a falar dos internos, 3854. Se considerar um ano de 46 semanas, isto dá um indicador que é: cada especialista em cirurgia, das várias especialidades, faz em média uma cirurgia por semana, convencional. (…) Claro que é pouco, é muito pouco. O cirurgião que faz o maior número de cirurgias por ano no Hospital fez 543, fez 12 por semana. O cirurgião com menor número de cirurgias no Hospital de S. João, que fez cirurgias, fez duas. E não estou contar com cerca de 30 que nunca foram ao bloco.”

·         “A taxa de absentismo excluindo férias é de 11%. Isto significa que estão ausentes todos os dias, dos 5600 funcionários, cerca de 660 e tal. Mas eu falo à vontade. Porque, se pedir a outros para publicitarem ou divulgarem os números dos outros hospitais ou das outras estruturas ou instituições de saúde, compararemos.”

·         “É preciso extinguir muito mais unidades hospitalares, encerrar muito mais urgências, alguns hospitais e algumas maternidades. (…) A distância mede-se em tempo, não se mede em quilómetros.”

·         “Quando eu digo que o Serviço Nacional de Saúde está neste momento, ou pelo menos desde 2007, falido, digo com base em números. Mas eu diria mais, eu diria que provavelmente o sistema de saúde está falido em Portugal, porque o sistema privado que devia, a meu ver – para ser saudável, para termos de facto uma economia da saúde em Portugal –, não estar dependente do financiamento público (…) Vou dar-lhe dois exemplos. Cirurgia de varises: de acordo com o sistema de custeio no Centro Hospitalar de S. João, uma cirurgia de varises ficaria por 300 euros. O Estado paga ao S. João 1500 euros, paga ao setor privado 1700 euros. Uma cirurgia de substituição de uma prótese vascular cardíaca, pelo modelo de custeio do S. João fica à volta de 19 mil euros, o Estado paga ao S. João 4 mil e poucos euros, paga a preços de tabela dos hospitais privados 30 mil euros.”

·         “Não é possível gerir uma pseudo-entidade pública empresarial quando tudo está baseado numa organização corporativa (…), quando há carreiras que (…) promovem as pessoas a cargos de chefia (…).”

·         “O hospital público não pode comprar bem. (…) Compra tudo por concursos públicos. Mais de 75 mil euros, temos que fazer um concurso público. Nós compramos 150 milhões de euros por ano, nós Hospital de S. João. Como é que podemos fazer um concurso público por cada despesa superior a 75 mil euros. (…) nem garantem eficiência (…) nem garantem combate à corrupção (…).”

·         “Nós estamos disponíveis para competir, em preço de mercado, com quem quiser.”
 
Um testemunho absolutamente exemplar e imperdível para quem pretenda conhecer com seriedade o estado em que se encontra o setor da Saúde em Portugal, sejam as suas conquistas e proezas sejam os seus bloqueios, enviesamentos e perversidades. Após o diagnóstico desta noite, que só pecou por limitado em tempo, o programa continua a 7 de Janeiro com promessas de algumas sugestões terapêuticas…

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