Venho chamar a atenção dos leitores mais
distraídos para que não percam o registo da presença de António Ferreira, o
professor que preside ao Conselho de Administração do Hospital de S. João
(Porto), no “Olhos nos Olhos” desta noite na TVI 24. Foi perante dois
interlocutores desconchavados, uma Judite em permanente modo de salivação e um
Medina em constante procura de espalhafato, que pudemos assistir à sólida e
sóbria prestação de um profissional de mão cheia que o País tarda em
reconhecer.
Apenas para “abrir o apetite”, junto
algumas das suas afirmações mais chamativas ou contundentes, que não necessariamente
todas as mais relevantes:
·
“Há muitos problemas, o principal dos quais é a
sustentabilidade.”
·
“O dinheiro que é afectado à saúde, a meu ver, é
suficiente.”
·
“Nós temos uma capacidade hospitalar de adultos que é,
a meu ver, excedentária.”
·
“Nós fazemos em Portugal, ou fizemos em 2010, 196675
cirurgias no Sistema Nacional de Saúde, em todas as especialidades. Temos em
Portugal cirurgiões especialistas, não estou a falar dos internos, 3854. Se
considerar um ano de 46 semanas, isto dá um indicador que é: cada especialista em cirurgia, das várias
especialidades, faz em média uma cirurgia por semana, convencional. (…) Claro
que é pouco, é muito pouco. O cirurgião que faz o maior número de
cirurgias por ano no Hospital fez 543, fez 12 por semana. O cirurgião com menor
número de cirurgias no Hospital de S. João, que fez cirurgias, fez duas. E não
estou contar com cerca de 30 que nunca foram ao bloco.”
·
“A taxa de absentismo excluindo férias é de 11%. Isto
significa que estão ausentes todos os dias, dos 5600 funcionários, cerca de 660
e tal. Mas eu falo à vontade. Porque, se pedir a outros para publicitarem ou
divulgarem os números dos outros hospitais ou das outras estruturas ou
instituições de saúde, compararemos.”
·
“É preciso extinguir muito mais unidades hospitalares,
encerrar muito mais urgências, alguns hospitais e algumas maternidades. (…) A
distância mede-se em tempo, não se mede em quilómetros.”
·
“Quando eu digo que o Serviço Nacional de Saúde está
neste momento, ou pelo menos desde 2007, falido, digo com base em números. Mas
eu diria mais, eu diria que provavelmente o sistema de saúde está falido em
Portugal, porque o sistema privado que devia, a meu ver – para ser saudável,
para termos de facto uma economia da saúde em Portugal –, não estar dependente
do financiamento público (…) Vou dar-lhe dois exemplos. Cirurgia de varises:
de acordo com o sistema de custeio no Centro Hospitalar de S. João, uma
cirurgia de varises ficaria por 300 euros. O Estado paga ao S. João 1500 euros,
paga ao setor privado 1700 euros. Uma cirurgia de substituição de uma prótese
vascular cardíaca, pelo modelo de custeio do S. João fica à volta de 19 mil
euros, o Estado paga ao S. João 4 mil e poucos euros, paga a preços de tabela
dos hospitais privados 30 mil euros.”
·
“Não é possível gerir uma pseudo-entidade pública empresarial
quando tudo está baseado numa organização corporativa (…), quando há carreiras
que (…) promovem as pessoas a cargos de chefia (…).”
·
“O hospital público não pode comprar bem. (…) Compra
tudo por concursos públicos. Mais de 75 mil euros, temos que fazer um concurso público.
Nós compramos 150 milhões de euros por ano, nós Hospital de S. João. Como é que
podemos fazer um concurso público por cada despesa superior a 75 mil euros. (…)
nem garantem eficiência (…) nem garantem combate à corrupção (…).”
·
“Nós estamos disponíveis para competir, em preço de
mercado, com quem quiser.”
Um testemunho absolutamente exemplar e imperdível
para quem pretenda conhecer com seriedade o estado em que se encontra o setor
da Saúde em Portugal, sejam as suas conquistas e proezas sejam os seus
bloqueios, enviesamentos e perversidades. Após o diagnóstico desta noite, que
só pecou por limitado em tempo, o programa continua a 7 de Janeiro com promessas
de algumas sugestões terapêuticas…
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