sábado, 22 de dezembro de 2012

O EFEITO DEPARDIEU



A pobreza temática dos jornais de fim de semana é confrangedora. A ter que identificar um tema que valha uma reflexão segundo os princípios editoriais deste blogue teria que me concentrar no novo foco da sanha fiscal do atual governo, os pensionistas. Tudo indica ser este o principal domínio do orçamento 2013 que suscitará as atenções do Tribunal Constitucional, cavando bem fundo as divergências no seio da própria maioria. Bagão Félix (na SIC Notícias) e Vasco Pulido Valente (no Público) encarregaram-se de pôr a nu o delírio persecutório do primeiro-ministro e de quem o orienta ou aconselha nestas matérias. A matéria ilustra bem a forma precipitada e leviana como a governação vai evoluindo. Cavalga-se a mensagem populista sobre as reformas douradas e toma-se esta faixa dos pensionistas como a situação global de todos os beneficiários de pensões. Ilustrativo do rigor populista com que o governo tem castigado os portugueses.
Mas o tema que hoje inspira a minha reflexão habitual vem de França e é matéria muito relevante para o âmbito deste blogue. Aparentemente é apenas um fait divers para francês ver. O ator Gérard Depardieu está em vias de mudar a sua residência fiscal para a Bélgica (para cuja mudança teve também o convite de Putin), em confronto aberto com a nova política fiscal do governo de Hollande, designadamente com a taxa marginal de 75% que o novo regime fiscal contempla para rendimentos superiores a um milhão de euros. Inúmeras reações de apoio ao exílio fiscal de Depardieu se sucederam entre as quais a da musa Catherine Deneuve. Até aqui poderíamos considerar um fait divers do star system francês. Mas o problema é que o exílio fiscal não é presentemente apenas um problema do star system. Vários industriais e empresários franceses de grande nomeada ameaçam (ou já o fizeram) exilar-se fiscalmente na Bélgica, seja elegendo o novo regime fiscal como sendo o motivo determinante, seja invocando a rigidez e o péssimo ambiente competitivo da economia francesa. Hollande tem reagido a este ambiente de fuga para ambientes fiscais menos onerosos colocando-se numa perspetiva de defesa do patriotismo e afirmando que quem ama a França deve servir o país, retórica sem eficácia que se veja, diga-se.
E, o que é curioso assinalar, é que tudo isto se passa não através de uma fuga para paraísos fiscais mais ou menos ocultos. Trata-se de um exílio de proximidade, da França para a Bélgica, no miolo da própria União Europeia e da zona euro. Para além disso, não se trata de exílios fiscais de capital financeiro, de natureza profundamente volátil. É de empresários industriais que estamos a falar.
A esquerda teima em regressar ao poder sem se vislumbrar a mínima reflexão sobre o problema do limiar superior de carga fiscal a partir da qual a estratégia orçamental pode ser concebida. Timorata na forma como tributa o capital financeiro e define o papel da banca, imagina que a taxa marginal de imposto é uma variável flexível ascendente e descendentemente, numa União Europeia e zona euro que continua alegremente a querer harmonizar-se com um gap fiscal tão pronunciado entre países com forte proximidade. Estas questões são tão recorrentes que até cansa. Como tenho aqui repetidamente referido, a questão não está em definir um padrão inflexível de despesa e procurar receita fiscal suficiente para a financiar. A questão está antes em definir o que é o limiar mínimo de despesa pública que um governo de esquerda quer assegurar e a partir daí encontrar um equilíbrio entre despesa pública e capacidade possível de arrecadação fiscal. O que é uma solução bem diferente da que tem sido ensaiada.
Caso contrário, os projetos de esquerda devem antecipar a reação natural dos que entendem que há taxas marginais de impostos incompatíveis com uma dada residência fiscal. Não é drama nenhum. Não serão tantos como isso. E se o forem algo estará mal na distribuição do rendimento.

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