A pobreza temática dos
jornais de fim de semana é confrangedora. A ter que identificar um tema que
valha uma reflexão segundo os princípios editoriais deste blogue teria que me concentrar
no novo foco da sanha fiscal do atual governo, os pensionistas. Tudo indica ser
este o principal domínio do orçamento 2013 que suscitará as atenções do
Tribunal Constitucional, cavando bem fundo as divergências no seio da própria
maioria. Bagão Félix (na SIC Notícias) e Vasco Pulido Valente (no Público)
encarregaram-se de pôr a nu o delírio persecutório do primeiro-ministro e de
quem o orienta ou aconselha nestas matérias. A matéria ilustra bem a forma
precipitada e leviana como a governação vai evoluindo. Cavalga-se a mensagem
populista sobre as reformas douradas e toma-se esta faixa dos pensionistas como
a situação global de todos os beneficiários de pensões. Ilustrativo do rigor
populista com que o governo tem castigado os portugueses.
Mas o tema que hoje
inspira a minha reflexão habitual vem de França e é matéria muito relevante
para o âmbito deste blogue. Aparentemente é apenas um fait divers para francês ver. O ator Gérard Depardieu está em vias de mudar a sua residência fiscal para a Bélgica (para cuja mudança teve também o convite de Putin), em confronto aberto com a nova política fiscal do governo
de Hollande, designadamente com a taxa marginal de 75% que o novo regime fiscal
contempla para rendimentos superiores a um milhão de euros. Inúmeras reações de
apoio ao exílio fiscal de Depardieu se sucederam entre as quais a da musa
Catherine Deneuve. Até aqui poderíamos considerar um fait divers do star system
francês. Mas o problema é que o exílio fiscal não é presentemente apenas um
problema do star system. Vários industriais e empresários franceses de grande nomeada ameaçam (ou já o fizeram) exilar-se fiscalmente na Bélgica, seja elegendo o novo regime fiscal como sendo
o motivo determinante, seja invocando a rigidez e o péssimo ambiente
competitivo da economia francesa. Hollande tem reagido a este ambiente de fuga
para ambientes fiscais menos onerosos colocando-se numa perspetiva de defesa do
patriotismo e afirmando que quem ama a França deve servir o país, retórica sem
eficácia que se veja, diga-se.
E, o que é curioso
assinalar, é que tudo isto se passa não através de uma fuga para paraísos
fiscais mais ou menos ocultos. Trata-se de um exílio de proximidade, da França
para a Bélgica, no miolo da própria União Europeia e da zona euro. Para além
disso, não se trata de exílios fiscais de capital financeiro, de natureza
profundamente volátil. É de empresários industriais que estamos a falar.
A esquerda teima em
regressar ao poder sem se vislumbrar a mínima reflexão sobre o problema do
limiar superior de carga fiscal a partir da qual a estratégia orçamental pode
ser concebida. Timorata na forma como tributa o capital financeiro e define o
papel da banca, imagina que a taxa marginal de imposto é uma variável flexível
ascendente e descendentemente, numa União Europeia e zona euro que continua
alegremente a querer harmonizar-se com um gap
fiscal tão pronunciado entre países com forte proximidade. Estas questões são tão
recorrentes que até cansa. Como tenho aqui repetidamente referido, a questão não
está em definir um padrão inflexível de despesa e procurar receita fiscal
suficiente para a financiar. A questão está antes em definir o que é o limiar mínimo
de despesa pública que um governo de esquerda quer assegurar e a partir daí
encontrar um equilíbrio entre despesa pública e capacidade possível de
arrecadação fiscal. O que é uma solução bem diferente da que tem sido ensaiada.
Caso contrário, os
projetos de esquerda devem antecipar a reação natural dos que entendem que há
taxas marginais de impostos incompatíveis com uma dada residência fiscal. Não é
drama nenhum. Não serão tantos como isso. E se o forem algo estará mal na distribuição
do rendimento.
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