quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

CHOQUE DE EGOS



Como já tinha previsto em post de alguns dias atrás, o artigo de Maria Filomena Mónica no Público, no qual zurzia a personalidade de Boaventura Sousa Santos com o cognome de O Evangelizador de Coimbra, anunciava refrega e da dura. Curiosamente, não chegou ao meu raio de alcance de notícia qualquer reação do visado. Porquê então a ideia de que a refrega está para durar?
Como já tinha intuído, o caldo entornou-se com as consequências da entrevista que a revista Análise Social publicou com Boaventura Sousa Santos. Imagino que tal entrevista tenha sido agitadora de consciências no interior do ICS. Afinal, a revista que visibiliza no exterior a investigação do ICS-UL concedeu espaço e palco de notoriedade ao principal representante do grupo de investigação em ciências sociais que pretende rivalizar com o ICS-UL, o CES de Coimbra. E, como referi no mencionado post, não se trata de uma rivalidade qualquer. Trata-se de um confronto entre, dominantemente, duas abordagens à investigação social, a primeira (a do ICS-UL) assumindo-se como “alegadamente” mais rigorosa e independente da política e a segunda como mais interventiva, social e militantemente empenhada. Sublinho a questão do “dominantemente” porque entre a massa crítica de investigadores de ambos os centros (e não são poucos) haverá por certo personalidades que rejeitam essa dicotomia, estando mais interessados em explorar pontes ou relacionamentos entre as duas abordagens. Não me admiraria absolutamente nada que essas diferenças tenham até uma tradução etária, sendo mais provável que entre os investigadores mais jovens haja mais gente interessada em estar para além do confronto.
Ora, a Visão de hoje noticia que António Barreto (não necessariamente por solidariedade conjugal ou afetiva com Maria Filomena Mónica) terá pedido demissão do Conselho Consultivo da revista Análise Social para manifestar o seu total desacordo com o que alegadamente classifica de quebra ou aviltamento dos princípios editoriais da Análise Social. A mesma notícia da Visão avança que os sub-diretores da revista que protagonizaram a referida entrevista com BSS invocam que a Análise Social não podia ignorar o cientista social português mais conhecido internacionalmente. Pois, aqui é que a porca torce o rabo. Refira-se para já que não morro de amores pela personalidade de BSS e que certamente não o seguiria em muito dos seus caminhos. Mas essa coisa da Análise Social dar espaço ao investigador social português internacionalmente mais conhecido, diria alguém o nosso CR7 das ciências sociais, teria necessariamente de beliscar o ego de Madame Mónica proveniente de Oxford e de não deixar indiferente o senador António Barreto (proveniente de Genève).
Por detrás da pose de senador de ar sofrido e amargurado, por vezes algo recuperado com a atenção que Ana Lourenço lhe dedica (pudera!), está certamente uma personalidade complexa, de ego elevado e pouco transparente. O Homo Academicus de Bourdieu sempre representou para mim uma obra fascinante sobre o mundo oculto da ciência e do poder que a atravessa e, por vezes, destrói. Desde a Fundação Ford até à mais recente Fundação Francisco Manuel dos Santos, António Barreto sempre encontrou o mecenato de financiamento capaz de projetar a influência da sua investigação social e o projeto do PORDATA (tal como o Portugal Social) assegura-lhe uma visibilidade e poder de opinião muito difícil de atingir. Não está em causa a qualidade e sensibilidade da investigação.
Porquê então esta reação? Porquê essencialmente uma reação que não debate o fundamental e que seria de facto relevante debater, que são as virtualidades e limitações de cada um dos programas de investigação? Reações deste tipo podem conduzir-nos a um sentimento muito típico na academia portuguesa, a inveja. Afinal, Boaventura Sousa Santos encontrou o seu mecenato de financiamento, neste caso europeu, com um programa de investigação de uma envergadura financeira face ao qual o financiamento FCT dos tempos Mariano Gago seria uma brincadeira. Muito mais no contexto atual em que o financiamento da ciência está de novo atrofiado, com inúmeros projetos classificados de Excelente a não obter financiamento. Para além disso, Boaventura Sousa Santos tem de facto um reconhecimento internacional que pode custar reconhecer aos mais capazes, mas essencialmente reconhecidos no reino para o qual trabalharam.
É mais o confronto entre os dois programas de investigação social que aqui deviam a ser objeto de debate que me interessa do que propriamente o choque de egos ou prima donas. De qualquer modo, uma certa geração intocável da investigação social já não o é. E a mudança não se alimenta sempre de tendências desde logo claras ou definidas. Há de facto personalidades que não lidam bem com esta indeterminação da mudança.

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