Como já tinha previsto
em post de alguns dias atrás, o artigo de Maria Filomena Mónica no
Público, no qual zurzia a personalidade de Boaventura Sousa Santos com o
cognome de O Evangelizador de Coimbra, anunciava refrega e da dura. Curiosamente,
não chegou ao meu raio de alcance de notícia qualquer reação do visado. Porquê
então a ideia de que a refrega está para durar?
Como já tinha intuído,
o caldo entornou-se com as consequências da entrevista que a revista Análise
Social publicou com Boaventura Sousa Santos. Imagino que tal entrevista tenha
sido agitadora de consciências no interior do ICS. Afinal, a revista que
visibiliza no exterior a investigação do ICS-UL concedeu espaço e palco de
notoriedade ao principal representante do grupo de investigação em ciências
sociais que pretende rivalizar com o ICS-UL, o CES de Coimbra. E, como referi
no mencionado post, não se trata de uma rivalidade qualquer. Trata-se de
um confronto entre, dominantemente, duas abordagens à investigação social, a
primeira (a do ICS-UL) assumindo-se como “alegadamente” mais rigorosa e
independente da política e a segunda como mais interventiva, social e
militantemente empenhada. Sublinho a questão do “dominantemente” porque entre a
massa crítica de investigadores de ambos os centros (e não são poucos) haverá
por certo personalidades que rejeitam essa dicotomia, estando mais interessados
em explorar pontes ou relacionamentos entre as duas abordagens. Não me
admiraria absolutamente nada que essas diferenças tenham até uma tradução
etária, sendo mais provável que entre os investigadores mais jovens haja mais
gente interessada em estar para além do confronto.
Ora, a Visão de hoje
noticia que António Barreto (não necessariamente por solidariedade conjugal ou
afetiva com Maria Filomena Mónica) terá pedido demissão do Conselho Consultivo
da revista Análise Social para manifestar o seu total desacordo com o que
alegadamente classifica de quebra ou aviltamento dos princípios editoriais da
Análise Social. A mesma notícia da Visão avança que os sub-diretores da revista
que protagonizaram a referida entrevista com BSS invocam que a Análise Social
não podia ignorar o cientista social português mais conhecido
internacionalmente. Pois, aqui é que a porca torce o rabo. Refira-se para já
que não morro de amores pela personalidade de BSS e que certamente não o
seguiria em muito dos seus caminhos. Mas essa coisa da Análise Social dar
espaço ao investigador social português internacionalmente mais conhecido,
diria alguém o nosso CR7 das ciências sociais, teria necessariamente de
beliscar o ego de Madame Mónica proveniente de Oxford e de não deixar
indiferente o senador António Barreto (proveniente de Genève).
Por detrás da pose de
senador de ar sofrido e amargurado, por vezes algo recuperado com a atenção que
Ana Lourenço lhe dedica (pudera!), está certamente uma personalidade complexa,
de ego elevado e pouco transparente. O Homo Academicus de Bourdieu
sempre representou para mim uma obra fascinante sobre o mundo oculto da ciência
e do poder que a atravessa e, por vezes, destrói. Desde a Fundação Ford até à
mais recente Fundação Francisco Manuel dos Santos, António Barreto sempre
encontrou o mecenato de financiamento capaz de projetar a influência da sua
investigação social e o projeto do PORDATA (tal como o Portugal Social)
assegura-lhe uma visibilidade e poder de opinião muito difícil de atingir. Não
está em causa a qualidade e sensibilidade da investigação.
Porquê então esta
reação? Porquê essencialmente uma reação que não debate o fundamental e que seria
de facto relevante debater, que são as virtualidades e limitações de cada um
dos programas de investigação? Reações deste tipo podem conduzir-nos a um
sentimento muito típico na academia portuguesa, a inveja. Afinal, Boaventura
Sousa Santos encontrou o seu mecenato de financiamento, neste caso europeu, com
um programa de investigação de uma envergadura financeira face ao qual o
financiamento FCT dos tempos Mariano Gago seria uma brincadeira. Muito mais no contexto
atual em que o financiamento da ciência está de novo atrofiado, com inúmeros
projetos classificados de Excelente a não obter financiamento. Para além disso,
Boaventura Sousa Santos tem de facto um reconhecimento internacional que pode
custar reconhecer aos mais capazes, mas essencialmente reconhecidos no reino
para o qual trabalharam.
É mais o confronto
entre os dois programas de investigação social que aqui deviam a ser objeto de
debate que me interessa do que propriamente o choque de egos ou prima donas. De
qualquer modo, uma certa geração intocável da investigação social já não o é. E
a mudança não se alimenta sempre de tendências desde logo claras ou definidas. Há
de facto personalidades que não lidam bem com esta indeterminação da mudança.
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