POUPANÇA E EMPRÉSTIMOS DE PARTICULARES

Vários defensores do propagado ajustamento em curso têm referido sistematicamente que um dos seus traços marcantes é o comportamento da taxa de poupança dos portugueses, segundo esses testemunhos em recuperação. Esse comportamento iria ao encontro do juízo de senso comum que acompanha a receita, os portugueses estariam a adaptar-se às condições, não consumindo acima das possibilidades. Essas vozes não são muito explícitas se estão a referir-se à taxa de poupança global da economia (famílias, empresas e Estado), se apenas à poupança do setor privado (particulares e empresas) ou então apenas à taxa de poupança de particulares. Estimo que a vulgata do raciocínio se refira ao comportamento da poupança dos particulares, pois é o que está mais de acordo com a lição do não consumir acima das possibilidades.

Procurei nas séries estatísticas on line do Banco de Portugal informação quanto à taxa de poupança de particulares (a poupança em percentagem do rendimento disponível), com informação até 2011. O gráfico que abre este post descreve o comportamento da taxa de poupança de 2000 até à última informação disponível (fins de 2011). O que podemos observar é que, com o agravamento das condições de desvalorização nominal da economia portuguesa e da quebra do rendimento disponível, os portugueses não estão afinal a poupar uma maior percentagem do seu rendimento disponível. Antes pelo contrário, a taxa desceu de 10,9% (2009) para 9,7% (2011). Ainda na última entrevista de António Borges à RTP informação, o entrevistado clamava que os portugueses estavam a aumentar as suas poupanças. Quanta falta de rigor e que obsessão por “obrigar” as evidências a ajustar-se ao discurso moralizador pretendido. Tudo leva a crer que, pelo contrário, os portugueses estão a recorrer a poupanças passadas para minimizar o empobrecimento real a que estão a ser submetidos. Considerando que a taxa de poupança de particulares está em queda, que a poupança do Estado ainda é negativa, será que o auto-financiamento das empresas vai salvar o défice de poupança?

Assim sendo, para além de implicar uma descida muito perigosa do produto potencial da economia que arruinará potencial de crescimento futuro, a receita em curso não dá mostras de aumentar a taxa de poupança, tão necessária para um reforço de investimento que não implique mais endividamento externo.

Tive curiosidade e procurei alguma informação sobre o endividamento de particulares. Retive, por exemplo, a informação respeitante a empréstimos junto do setor financeiro residente em fim de período.

O gráfico abaixo é bem explícito quanto à desalavancagem observada neste setor a partir de fins de 2010. Não é um indicador global do endividamento de particulares, mas ilustra bem o que está a acontecer.