Quem se der
ao trabalho de projetar no tempo a evolução do pensamento de alguns dos
comentadores políticos que animam o nosso quotidiano encontra algumas
surpresas. Como sou muito seletivo na escolha desse grupo de comentadores
suscetíveis de animar o meu quotidiano, as minhas surpresas não são
propriamente abundantes. Mas tenho exemplos.
Por via do
Quadratura do Círculo, António Lobo Xavier (ALX) é um deles. E, apesar do seu
formalismo de rigor com que costuma apresentar o seu comentário, também ele está
numa encruzilhada quanto ao seu pensamento sobre a terapia de intervenção a que
a economia portuguesa tem vindo a ser submetida.
Ontem, no
Quadratura do Círculo que não interrompeu para Festas, ALX lança a tese dos
30-70% para tentar explicar por que razão estará hoje a acabar 2012 menos
pessimista do que quando o iniciou. A tese pode ser resumida do seguinte modo.
A situação portuguesa terá um espaço de intervenção (que quantifica em 30%) que
será desenvolvida em função da maior ou menor qualidade de governação a nível
nacional e da capacidade de ajustamento que a economia e sociedade portuguesa
revelarem. Porém, o grosso do problema (70% não é coisa pouca) estará
dependente do que se for passando a nível europeu, seja no âmbito da União,
seja no do Euro-grupo. ALX observa melhorias no bloco de intervenção a nível
europeu, sobretudo do ponto de vista das diferentes medidas avançadas para consertar
as fragilidades e maleitas congénitas da construção do Euro.
Há nesta
posição algum malabarismo para ocultar o incómodo de uma posição de alguém que
foi dos comentadores que primeiro defendeu a inevitabilidade do processo e a consistência
do programa de governo que o memorando da Troika representaria. A tese dos
30-70 (ou 40-60 não importa) ignora o que está para mim claro desde o início. Os
memorandos de entendimento com a Irlanda, Grécia e Portugal ignoraram que no
quadro de uma zona euro ou de uma união económica e monetária não há processos
de ajustamento sem ponderar a evolução global do espaço em que tais economias
estão inseridas. Como é óbvio, as características do problema em causa em cada
uma das economias não podem ser ignoradas, bem como as suas diferentes características
estruturais (potencial exportador de manifestação rápida, por exemplo). Tratar-se-ia
de assegurar programas de ajustamento para abordagem a esses problemas específicos
com plena ponderação da situação global evolutiva do próprio espaço europeu. Nenhum
destes dois processos foi tido em devida conta. A retórica transversal das
reformas estruturais e a incapacidade de controlar a situação globalmente
recessiva da zona Euro decretando ajustamentos cegos sem ter isso em conta. Usando
a terminologia de ALX, a governação dos 30% é um non-sense, pois trata-se de gerir um ajustamento impossível de realizar
sustentadamente (como Pacheco Pereira bem o mencionou ao trazer para o debate o
tema da sustentabilidade dos processos em curso). É cada vez mais certo que os
sacrifícios serão na melhor das hipóteses desproporcionados ou inconsequentes.
O malabarismo
intelectual de ALX, não do tipo de um genuíno artista português, mas mais
sofisticado, oculta o que parece hoje evidente aos olhos de um mundo mais ou menos
informado. Quando comparamos a gestão macroeconómica na Europa e nos Estados
Unidos, a intervenção europeia é um logro. O empobrecimento da sociedade
portuguesa radicará em última instância nesse logro.
Os debates da
macroeconomia não são apenas de salão ou de revista de rankings elevados. Interessam-nos
a todos. Verificaremos isso no fim de 2013 comparando rendimentos disponíveis e
o stock de riqueza de todos, para mal das nossas penas.
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