versus
Maria Filomena Mónica (MFM)
é nome que causa alergias a muito boa gente. De facto, não deve ser fácil
conviver com tal personalidade e é bem compreensível o karma de quem o faz quotidianamente. Confesso que estou imunizado
para essas alergias, que leio regularmente os escritos da personagem, não tanto
os de cariz autobiográfico, mas antes os de pendor mais ensaísta. E faço-o
mesmo que MFM clarifique bem a sua posição: “”Os meus adversários naturais, os
poderosos, não suscitam em mim a fúria que dedico a certas franjas da esquerda”.
Acho por exemplo que o trabalho de MFM sobre Eça de Queiroz é notável e li-o
quase num fôlego. Os trabalhos de natureza autobiográfica já me são
indiferentes, sobretudo a partir do momento em que alguém, bastante conhecido,
me afiançou que determinada reunião conspiratória realizada em Paris descrita
por MFM na sua autobiografia como dela tendo sido observadora e participante se
realizou de facto sem a sua presença. O que não me espantaria, pois o ego da
personagem sobrepõe-se a ela própria.
Mas tenho de
reconhecer que MFM tem prosas com chistes deliciosos e possui um talento
natural para a polémica que muito aprecio, pois a sociedade portuguesa está
disso carenciada como pão (que vai faltando) para a boca.
O Público da passada
sexta feira publicou uma crónica de MFM que espero avidamente que se transforme
numa vasta polémica, pois se isso acontecer e se revestir a forma de um franco
debate pode fazer luz sobre o que penso vir a ser o grande debate da investigação
social em Portugal.
Explico-me.
O título da crónica
tem sal que baste e chiste que se recomende pois é “O evangelizador de Coimbra”.
A personagem visada é, adivinharam já por certo, Boaventura Sousa Santos (BSS) e
o motivo próximo da crónica é uma entrevista que concedeu a Helena Mateus Jerónimo e José
Neves, diretores adjuntos da Análise Social, no número 204 desta prestigiada
revista, ainda recentemente em foco na comemoração dos 50 anos do GIS – ICS. Esta
referência não é inocente, pois no fundo o que MFM parece querer estabelecer é uma
diferença que ela pensa ser mais clara do que me parece que o seja. A Análise
Social e obviamente o GIS-ICS do seu tempo rejeitariam a escrita panfletária,
resistindo ao risco que MFM encontra nas ciências sociais e humanidades de
confusão entre ciência e política, ao passo que BSS e o centro de investigação
em que é um dos principais protagonistas (o CES) e, já agora, na extensão do
seu raciocínio a Revista Crítica de Ciências Sociais seu principal espaço de
publicação, estariam no oposto dessa preocupação.
Portanto, da parte de
MFM, há aqui não só uma alfinetada nos rumos que ela considera perigosos da Análise
Social de hoje, mas também já não propriamente uma alfinetada, mas antes uma
paulada, nas “epistemologias do Sul” encabeçadas e praticadas por BSS.
O debate que está implícito
nesta diatribe de MFM é bem mais rico do que a própria imagina. Assim, por
exemplo, admitir que um professor de humanidades e de ciências sociais não pode
falar de política diante dos seus alunos, apenas podendo fazê-lo no exterior da
relação palco (professor)-auditório (aluno), é uma ideia peregrina e até um
impulso para os que o fazem na mais rigorosa ética de transmissão de
conhecimentos. Mas, como é compreensível, o alvo da personagem BSS presta-se a
estereótipos de que MFM usa e abusa: “Desde há alguns anos que uma parte
significativa do poder académico tem vindo a ser ocupada por antigos revolucionários.
Os novos mandarins não são melhores do que os antigos. A sua obsessão é
igualmente com o recrutamento de colaboradores obedientes, com a arregimentação
ideológica dos pupilos e, novidade decorrente da globalização, com o uso de
redes internacionais de financiamento”.
Para além do choque
entre estas duas personagens, pode estar aqui em gestação um grande debate
entre dois modelos de investigação social, o que dominantemente se faz no CES
de Coimbra e no ICS de Lisboa, recusando claro está reduzir os dois centros de
investigação a corpos homogéneos de pensamento. O facto de ambos terem amplo reconhecimento
internacional ainda alarga demais o debate. E a riqueza do que estará aí em
jogo será bem mais rica do que a dicotomia entre os estereótipos “positivismo
serôdio (na expressão de BSS) versus epistemologias do sul (evangelizadoras
segundo MFM) tem para nos oferecer. E, já agora, o que tem a Escola do Porto
(Instituto de Sociologia – UP) tem para dizer sobre isto?
Sem comentários:
Enviar um comentário