O “Quadratura do Círculo” desta semana tratou largamente do Orçamento
de Estado e da controvérsia em torno das suas eventuais feridas de
inconstitucionalidade. Teve, a meu ver, três momentos especialmente dignos de
registo. O primeiro é resumível numa questão essencial deixada no ar por
António Costa: “Uma das coisas mais curiosas que a História há de um
dia explicar é como é que uma crise financeira se converteu numa crise das
dívidas soberanas”. Têmo-la tratado assiduamente neste espaço, mas será da
máxima pertinência que procuremos prosseguir na sua dissecação e clarificação.
O segundo momento decorreu da leitura da
situação política longamente desenvolvida por Pacheco Pereira. Tento seguidamente sintetizá-la
numa dúzia de curtos tópicos:
·
A recente aprovação de um orçamento “inexequível”.
·
Um orçamento que vai ser um “fator de perturbação
política profunda” e ameaçar seriamente “a própria sobrevivência do Governo”.
·
Um orçamento com “uma solução unanimemente criticada,
até por uma parte da Troika”.
·
“Quando este orçamento cair em cima das pessoas, as
pessoas vão deixar de ter vida económica”.
·
“O que o primeiro-ministro anunciou na entrevista é um
novo pacote de austeridade, não tem outro nome, não adianta virem com tretas
sobre a refundação do Estado”.
·
“Este programa só se percebe se o seu sujeito for
outro, para além deste Governo”.
·
A exemplificação com um banco alemão que tenha
emprestado dinheiro a Portugal e que, compreensivelmente, quer receber esse
dinheiro: ele “está-se absolutamente marimbando (…) sobre como é que os portugueses
vivem ou não vivem (…), ele quer que o país tenha excedentes para poder pagar a
dívida”.
·
A ideia de que, à pura necessidade do banco, se
acrescenta uma “dimensão política”, da senhora Merkel à Europa.
·
“Este discurso político não vê a gravidade da situação”
e
corresponde a uma política que “tem um único objetivo, que é garantir que nós
tenhamos dinheiro para pagar as dívidas”.
·
“Nós estamos no mesmo caminho da Grécia com um atraso
de um ano ou dois”.
·
A explicitação de que este plano não tem lógica
económica, social, política, portuguesa, nem sequer uma verdadeira lógica
ideológica – ele só se percebe “da necessidade do sistema financeiro que se lhe
pague”, “uma lógica pura de credor”.
·
“E como os credores estão representados ao mais alto nível
pelo primeiro-ministro – que anda um bocado a ver navios nesta coisa, mas que
incorporou esta realidade e não tem outra – e o ministro das Finanças – que a
incorpora inteiramente –, isto vai dar torto”…
O terceiro momento que selecionei nasce das críticas contundentes
de Pacheco Pereira ao Partido Socialista, designadamente “frouxo” e “sem nexo”
enquanto oposição. Ao que António Costa reagiu com graça, nestes termos:
“Eu
não posso acompanhar, obviamente, o Pacheco Pereira nos termos em que ele
costuma falar sobre o PS. Mas há aqui uma diferença de fundo entre nós: é que o
Pacheco Pereira é estruturalmente um radical e eu, de facto, sou
estruturalmente um reformista.” Muito bom!
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