Já há alguns dias que
o Observatório Económico e Social das Nações Unidas para a Europa do Sul é notícia
não só pela sua futura localização em Lisboa, mas sobretudo pela reflexão lúcida
realizada sobre a crise portuguesa e suas interações com a crise europeia. O
nome do seu responsável Artur Baptista da Silva tem ocupado a comunicação
social por força de sucessivas entrevistas (Expresso, principalmente e ontem na TSF), notoriedade que tem tanto de mérito próprio como de resultado da pobreza
de ideias que têm sido lançadas para o debate público.
O contexto em que
estas declarações e os resultados da observação feita pela ONU nos chegam é
muito particular. O relatório de conjuntura do Banco de Portugal de Dezembro de
2012 regista uma ligeira desaceleração da queda do contributo da procura interna
para o crescimento (negativo) em cadeia do PIB: em termos homólogos, a queda
foi ligeiramente inferior à do segundo trimestre (menos 4 pontos percentuais
contra menos 6 pontos percentuais e, em termos homólogos de menos 7,4 pontos
percentuais contra menos 8,7 pontos percentuais), o que ilustra bem o que está
em causa; estamos a comparar crescimentos negativos e alguns encontram alguma
ponta de esperança nesta diferença de 0,2 ou de 1,3 pontos percentuais
consoante o método, o que diz bem do estado das nossas expectativas. O consumo
privado e a formação bruta de capital fixo estarão em desaceleração de
crescimento negativo, embora o crédito continue a não ajudar e a taxa de variação
dos depósitos bancários do setor não monetário na banca residente continuem em
queda (-2,8% contra -1,6% no mês
anterior). A esperança de que as compras do trimestre do Natal, o último do
ano, proporcionem uma ajuda adicional (a evidência empírica visual ilusória dos
grandes espaços de consumo parece sugerir essa ajuda) a esses analistas
mais esperançosos deve ser considerada. Mas também pode ler-se que, face ao que nos espera para
2013, as pessoas tenham na medida das suas possibilidades antecipado algumas
compras, prevendo a sua não realização com o agravamento de 2013. Tudo leva a
crer que o impacto brutal das medidas de 2013 sobre o rendimento disponível vá
interromper senão inverter de novo esta agora registada desaceleração dos
crescimentos negativos.
O que prova a inépcia
da atual gestão da crise. Se a desaceleração do crescimento negativo do consumo
privado e da formação bruta de capital fixo e do PIB naturalmente for de
considerar e tomar a sério, então o que parece ser a opção certa será de tentar
potenciar essa desaceleração, estabilizá-la, como uma condição de retoma de crescimento
ainda que moderada. Ora o que se anuncia para 2013 matará essa possível
estabilização.
A preocupação de Artur
Baptista da Silva e da ONU naturalmente começa pelos impactos da crise das
economias da Europa do sul e da sua má gestão nas condições de implosão social
e consequentemente na destruição do tampão que estes países representavam do
ponto de vista dos problemas de instabilidade observados nos países do Magreb e
do Médio Oriente.
Mas a entrevista constitui,
até agora e segundo o meu conhecimento, a mais sugestiva interpretação do que
pode ser feito de alternativo. E não se trata de uma entrevista a título
individual, é o responsável institucional pelo já referido Observatório da ONU
que fala. Sublinho as ideias fundamentais, algumas das quais exigem a meu ver
uma cabal explicação do governo português, estando eu perplexo pelo facto da
oposição não cavalgar esta questão:
- 1. 41% da dívida pública portuguesa é renegociável, pois resulta de ser “imposta pelas autoridades europeias para nos ajudar em termos de cofinanciamento dos Fundos Estruturais”;
- 2. A Alemanha, praticamente em segredo, obteve das instâncias europeias financiamento para 55 mil milhões de euros (cerca de 2/3 do programa português de resgate), a taxa de 0,33 ao ano, para a sua holding estatal IPO BANK no âmbito das sequelas do Lehman Brothers no sistema financeiro alemão (processo um pouco rocambolesco pois resulta de um erro de apreciação por excesso do pedido de financiamento ao BCE);
- 3. Sob iniciativa de Dilma Roussef, foi apresentada no âmbito da lusofonia uma proposta de financiamento da dívida soberana portuguesa a taxas bem mais aceitáveis do que as alcançadas através do resgate financeiro, subordinada a contrapartidas em termos de concessões e atração de capital estrangeiro; essa proposta foi rejeitada pela Comissão Europeia e pelo governo português, segundo ABS por mera teimosia ideológica;
- 4. Existe segundo ABS uma alternativa ao processo de aumento da carga fiscal em IRS (mexida de escalões e sobretaxa de 3,5%) e ao corte anunciado de 4 mil milhões de euros, essencialmente em regalias sociais;
- 5. Essa alternativa tem 3 dimensões: (i) aplicação da taxa TOBIN de 15% a rendimentos superiores a 500.000 euros; (ii) Renegociação das PPP eliminando a parte de agiotagem negocial (a expressão não é minha) o que implicaria deixar de ter de pagar 7.250 milhões de euros; (iii) injeção em condições a negociar com a Comissão Europeia de 3.000 milhões de euros parados na execução do QREN.
Um cidadão comum,
minimamente informado sobre estas coisas, fica perplexo e não pode deixar de
pensar que “aqui há coisa e da grossa”. Entretanto, o Laboratório de Ideias e Projetos
que procura refrescar as ideias de alternativa do inseguro Seguro deve andar a
discutir coisas bem mais sofisticadas. Senão para transformar numa alternativa
política interna, nesta entrevista de ABS há, pelo menos, matéria de interpelação
ao governo. É o mínimo que um cidadão comum pode exigir a quem o pretende
representar.
Dirão os suportes
ideológicos da maioria que até nas instituições internacionais o esquerdismo
está implantado. Desvios dessa natureza para canto, sem resposta fundamentada às
questões apresentadas, só se explicam em gente que está esgotada de ideias e
que estará provavelmente mais interessada em levar o cântaro à fonte antes que
ela seque, ou seja, antes que sejam corridos do poder.
A época exigiria um
post talvez mais ameno. Mas a entrevista de ABS é demasiado importante para
passar despercebida no meio da quadra natalícia.
E agora... que o Artur Baptista da Silva se revelou uma fraude? Sejamos francos, era uma fraude de ideias claras.
ResponderEliminarPois... Só falta saber quantos daqueles números e "factos" são verdadeiros. Isto é que é desviar para canto...
ResponderEliminarExcelente post! Não me ria tanto desde há muito tempo!!!
ResponderEliminarPois...
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