terça-feira, 18 de dezembro de 2012

ANTÓNIO SIMÕES LOPES



O ciclo de vida-morte é imparável e nos últimos tempos tenho visto desaparecer com mágoa gente que me marcou intelectualmente para sempre, influenciando a trajetória do meu pensamento na economia, subvertendo (no sentido que Hirschman lhe atribuía) aqui e acolá o que poderia ter sido uma carreira, sobretudo académica, mais canónica e alinhada pelo que agora se designa de mainstream.
António Simões Lopes (ASL) foi uma dessas personalidades. É curioso que a sua matriz de pensamento tem um ponto de partida bastante similar que é a problemática do desenvolvimento. ASL foi dos primeiros a considerar que falar de desenvolvimento regional, de desenvolvimento endógeno ou de outras adjetivações equivalia a ceder à tentação de uma redundância. O desenvolvimento, embora conflitual e gerador de tensões de representações sobre o futuro e de profundas controvérsias sobre as trajetórias ou caminhos para lá chegar, tem capacidade para integrar no seu seio a questão regional ou territorial. O desenvolvimento para manifestar-se tem também que revestir uma dimensão espacial ou territorial. Por isso, a plenitude do desenvolvimento atinge-se quando, para além da igualdade de oportunidades entre os indivíduos (e entre homens e mulheres para integrar a igualdade de género), se integrar também a questão da igualdade de oportunidades entre territórios e da decisão livre de neles residir ou não residir.
A consistência do pensamento do Professor é algo que atravessou profundamente tudo o que tenho escrito sobre a problemática regional, vista na perspetiva do alargamento das múltiplas dimensões do desenvolvimento.
No artigo que publiquei no Compêndio de Economia Regional coordenado na edição mais recente da PRINCIPIA por José Costa e Peter Nijkamp (2009), designado de “As políticas e o planeamento do desenvolvimento regional”, homenageei essa influência marcante (que seguramente é extensiva a todos os estudantes de economia regional que leram o seu manual) com uma citação de ASL, retirada de um dos seus artigos mais marcantes, “Desenvolvimento: desenvolvimento regional”, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1979. Reproduzo essa citação, agora como homenagem a título postumo, conhecida a sua morte através de uma notícia primeiro da Associação Portuguesa do Desenvolvimento Regional cuja constituição partilhei com o Professor e alguns resistentes, depois da própria Ordem dos Economistas de que foi o primeiro bastonário:
Não há decisão – seja ela do tipo global ou sectorial – cuja implementação não imponha a sua tradução no espaço, devendo ele surgir como o elemento integrador por excelência desde que existam possibilidades de utilização da instância intermédia entre o planeamento urbano e o planeamento global – sectorial; a integração ficaria então plenamente assegurada (o urbano no regional este no global) e as possibilidades de eficácia mais garantidas; mas isso significaria, então, que o desenvolvimento passa pelo desenvolvimento regional ou, como na realidade tem de ser visto, desenvolvimento e desenvolvimento regional são apenas uma e a mesma coisa: todo o desenvolvimento tem de ser desenvolvimento regional”.
Ideias simples, mas fundamentalmente revolucionárias e sobretudo o melhor antídoto para a menorização com que alguns de nós tendem a ver os caminhos científicos do desenvolvimento regional, inculcando a pretensa superioridade do mainstream sem qualquer sensibilidade para o território ou para o espaço. Homem de pensamento católico, ASL nunca rejeitou o apelo cívico das causas regionais e territoriais. São estas ideias que resistem ao efémero das modas conceptuais mais ou menos embelezadas pela sofisticação quantitativa. O ciclo da vida-morte alarga-se e complexifica-se, pois estas ideias persistem e serão responsáveis por nova investigação regional e territorial que será a melhor via para fazer perdurar na memória o pensamento do Professor. Vale a pena viver para conhecer gente desta grandeza de ideias.

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