domingo, 30 de dezembro de 2012

MUDAR DE VIDA



Paradoxos dos ciclos de vida. Enquanto que Manuel Oliveira trava mais uma das batalhas da sua gloriosa longevidade, Paulo Rocha bem mais novo não resistiu. Com o seu desaparecimento, surgem-me memórias bem longínquas sobre o meu encontro com o cinema português. Para muitos os Verdes Anos são o filme de referência de Paulo Rocha. Pelo contrário, Paulo Rocha significa para mim o impacto do Mudar de Vida (1966). Acho que não há nenhum outro filme português que interprete tão fielmente os choques a que o Portugal atávico, tradicional, pobre, trágico foi submetido. A comunidade piscatória do Furadouro é uma representação desse Portugal. Recordo que em torno dos meus 20 anos lia com orgulho como os Cahiers du Cinéma se referiam à filmografia de Paulo Rocha. Das imagens que o Mudar de Vida me deixou intocáveis na memória a que ainda me marca e da qual não consegui recuperar nenhum fotograma é a da cena sinistra do pescador/emigrante/regressado a realizar testes psicotécnicos para concorrer a um posto de trabalho numa fábrica da região. Nessa altura, ainda sem referências de economia e sem a perceção do que o desemprego e a transição para uma outra atividade significam, aquelas imagens de confronto entre a experiência concreta do mar e da emigração mal sucedida e a abstração do teste psicotécnico gravaram-se-me para sempre na memória seletiva.

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