Paradoxos dos
ciclos de vida. Enquanto que Manuel Oliveira trava mais uma das batalhas da sua
gloriosa longevidade, Paulo Rocha bem mais novo não resistiu. Com o seu desaparecimento,
surgem-me memórias bem longínquas sobre o meu encontro com o cinema português. Para
muitos os Verdes Anos são o filme de referência de Paulo Rocha. Pelo contrário,
Paulo Rocha significa para mim o impacto do Mudar de Vida (1966). Acho que não
há nenhum outro filme português que interprete tão fielmente os choques a que o
Portugal atávico, tradicional, pobre, trágico foi submetido. A comunidade
piscatória do Furadouro é uma representação desse Portugal. Recordo que em
torno dos meus 20 anos lia com orgulho como os Cahiers du Cinéma se referiam à
filmografia de Paulo Rocha. Das imagens que o Mudar de Vida me deixou intocáveis
na memória a que ainda me marca e da qual não consegui recuperar nenhum
fotograma é a da cena sinistra do pescador/emigrante/regressado a realizar testes
psicotécnicos para concorrer a um posto de trabalho numa fábrica da região. Nessa
altura, ainda sem referências de economia e sem a perceção do que o desemprego
e a transição para uma outra atividade significam, aquelas imagens de confronto
entre a experiência concreta do mar e da emigração mal sucedida e a abstração
do teste psicotécnico gravaram-se-me para sempre na memória seletiva.
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