(Aqui está uma matéria
que põe bem evidência como os economistas devem ser mais humildes do que
costumam ser, afinal a
desaceleração do crescimento da produtividade continua a permanecer um mistério)
Quando uma matéria aparentemente básica e simples como a
desaceleração observada no crescimento da produtividade nas principais economias
avançadas continua a não usufruir de uma explicação consistente por parte da
academia, um pouco menos de arrogância nas hostes seria mais sensato.
Os americanos deram o mote e rapidamente se percebeu que não se tratava de
um fenómeno apenas observado do lado de lá do Atlântico. A generalidade das
economias avançadas, com relevo para o Reino Unido, mas extensivo a outras
economias, apresenta sobretudo após 2007-2008, mas já latente um pouco antes, um
desapontador crescimento da produtividade, balizado pelas taxas inferiores a 1%
da economia americana. A relação entre o comportamento da produtividade do
trabalho e o crescimento económico é conhecida, sobretudo na medida em que o
primeiro é, em regra, entendido como uma dimensão intensiva do segundo,
reservando para o crescimento da força de trabalho a dimensão extensiva. Depois,
a história económica mais representativa sempre considerou que o crescimento da
produtividade do trabalho está na origem do sistemático crescimento do
bem-estar material das populações, representado pelo crescimento do salário
real, ao qual se deve juntar, como sabemos, o benefício de termos acesso a bens
e serviços totalmente novos que não existiram no passado.
Curiosamente, em tempos em que todo o bicho careta de esquerda ou de
direita aspira a ritmos mais elevados de crescimento, praticamente ninguém tem
enfrentado o touro pelos cornos, discutindo o tema da produtividade de modo sério
e abrangente. Têm-se multiplicado em vez disso patéticas intenções sobre o dito
crescimento da produtividade. À direita, o tema das reformas estruturais está
gasto e já não há pachorra para tanta insistência asneirenta. A desregulamentação
do trabalho, que é a versão mais generalizada das reformas estruturais, aparece
tal qual mezinha de feira a ser remédio para tudo, incluindo a produtividade. Mais
ao centro ou até à esquerda, a revolução digital é também apresentada como
verdadeira mezinha. Até António Costa se deixou enlevar por tal tentação.
Bastaria parar um pouco para pensar para compreender pelo menos duas coisas. Primeiro,
se há economia em que a revolução digital aumentou foi a americana. Ora, o tema
do puzzle da produtividade emergiu da economia americana e pelo presente o
crescimento da produtividade na economia americana ronda os 0,6%. Não será isto
suficiente para pensar duas vezes? Segundo, não pode ignorar-se que uma grande
parte das inovações digitais beneficia o bem-estar individual e os consumidores,
não diretamente a produtividade. A ideia de António Costa passa pelos custos de
contexto. Mas conviria não esquecer que o comportamento da produtividade do
trabalho depende essencialmente de três fatores: a razão capital-trabalho, a
qualidade do trabalho medida pela sua qualificação ou competências e um fator
residual a que chamamos produtividade total dos fatores e que reage bastante
aos custos de contexto (quanto mais baixos estes últimos, mais elevada a eficiência
global da economia). A melhoria da produtividade global dos fatores pode não
ser bastante para incrementar a produtividade do trabalho, tudo dependendo do
peso explicativo do referido resíduo.
O tema do puzzle da produtividade está instalado e mais tempo será necessário
para uma explicação mais consistente ser formada.
O sempre desconcertante Gavyn Davies interroga-se no Financial Times (ver link aqui),
tomando por referência a economia americana, sobre as razões que explicam que o
fraco crescimento da produtividade não tenha impactado negativamente os preços
das ações e as cotações bolsistas. Afinal, se a produtividade penaliza o crescimento
económico, esperar-se-ia que essa penalização afetasse as estimativas de
rendibilidade das empresas e consequentemente fizesse descer no tempo essas
cotações.
O artigo no Financial Times exige alguma atenção pela elaboração teórica
que o suporta e que transcende o objeto deste post. Mas vale a pena referir que
há pelo menos uma evidência empírica a merecer desde já sublinhado. A verdade é
que a contínua revisão em baixa das perspetivas de crescimento económico não se
tem traduzido por mais baixos rendimentos e dividendos, pelo menos na economia
americana. Antes pelo contrário, a percentagem dos lucros no rendimento tem
atingido níveis historicamente elevados, o que combinado com os baixíssimos
preços dos títulos públicos contrariam o efeito que a baixa produtividade
tenderia a provocar nas cotações dos ativos em bolsa.
E, talvez mais importante do que tudo, as economias têm desviado recursos
para atividades financeiras não produtivas, penalizando a percentagem de
capital que alimenta as inovações com impacto na produtividade.
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