Durão voltou a terreno público para falar das consequências do referendo britânico e dos desafios da União Europeia (UE). Mas escolheu falar dele próprio antes de tudo o resto. Ele que disse ao Presidente Chirac aquando do referendo em França: “Não podes atacar a Europa de segunda a sábado e dizer às pessoas para votarem na Europa no domingo”. Ele que tão próximo sempre esteve da chanceler alemã: “Disse-lhe [a Cameron], eu e Merkel, quando resolveu sair do Partido Popular Europeu, que era um erro enorme, que ia criar um fenómeno progressivo de afastamento do centro da UE, em que cada vez mais o partido conservador britânico se iria identificar com o UKIP”. Ele que, portanto, entende que “dos três grandes países, o único que tem no essencial valorizado a UE tem sido a Alemanha, nomeadamente a chanceler Merkel, com quem trabalhei, e verifiquei que ela investia na UE. Esse ponto é essencial.”
Em relação a Cameron, e embora querendo aproveitar a ocasião para um pequeno ajuste de contas (agora que o homem está em perda), Durão tem razão no essencial. Quer porque, de facto, o Reino Unido foi sistematicamente desvalorizando a UE, quer porque “o primeiro-ministro Cameron andou 20 anos a atacar a UE e queria convencer os ingleses em dois meses de que a UE era uma coisa boa”. E até acrescentou o registo de um episódio: “[Cameron] chegou atrasado de propósito à assinatura do Tratado de Lisboa [dezembro 2007] porque não queria ficar na fotografia de família”.
Quanto ao quadro global, Durão fala como se não tivesse tido durante dez anos altas responsabilidades na degenerescência europeia. Por um lado, afirmando candidamente que “se continuarmos a europeizar os fracassos e a nacionalizar os sucessos, como fazem os políticos nacionais na maioria parte dos casos, quando as coisas vão bem é o êxito deles, quando vão mal a culpa é de Bruxelas, esquecendo-se ou escondendo às pessoas que as decisões foram tomadas por eles em Bruxelas, mas foram eles que as tomaram” – e o papel demissionista, cúmplice e contrário aos Tratados da Comissão a que presidiu? Por outro lado, ratificando implicitamente a estratégia europeia da Alemanha e do PPE e criticando quaisquer veleidades de alternativas ao lamentável “modelo único” de construção europeia que tão servilmente ajudou a impor – “o mesmo se passa em França, com outro tipo de euroceticismo, porque a França em vez de querer uma França europeia está talvez a querer uma Europa francesa, e continua sistematicamente a criticar a UE, mas pelas razões opostas ao Reino Unido”, disse.
Recordemos aos leitores mais revoltados que a criatura já se despediu da política, não por arrependimento e remorso mas porque ainda não encontrou modo de forçar a porta que os portugueses quase intuitivamente lhe fecharam a sete chaves. Que Durão se vá justificando – e contradizendo! – e que assim seja por muitos e bons dos dias que ainda lhe estão pela frente...
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