terça-feira, 21 de junho de 2016

BREXIT, ALARGAMENTO E DEMOCRACIA




(Na reta final para o referendo do LEAVE ou REMAIN uma infografia do Economist mostra com a força da cartografia que talvez andássemos distraídos sobre a amplitude dos sucessivos alargamentos da União)

Dizia hoje o Professor João Ferreira do Amaral, numa curta entrevista à ANTENA 1, que, em seu entender, o risco mais relevante de um BREXIT com uma eventual vitória do LEAVE estaria na perda para o projeto europeu do país com mais tenacidade e melhores condições para contrariar o centralismo europeu que a hegemonia alemã introduziu na União. Curiosamente, hoje, 21 de junho de 2016, o tribunal constitucional alemão reuniu em Karlsruhe para emitir um veredicto (positivo) sobre a heterodoxia praticada pelo BCE sob a presidência de Mario Draghi no combate aos riscos deflacionários na União. Sinceramente, não sei o que será mais importante, se a proximidade ao referendo de 23, se a decisão do tribunal alemão. Ao mesmo tempo, JFA desvalorizava os argumentos catastrofistas invocados pela campanha do REMAIN, com o governo conservador à cabeça, com o argumento que muito provavelmente os princípios do livre comércio com o Reino Unido poderão persistir mesmo no caso de um eventual BREXIT. Dou-lhe razão e as suas curtas palavras têm a vantagem de nos relembrar como andámos distraídos na não monitorização das complexas relações entre o aprofundamento da União como projeto económico e a sua gestão política.

O Economist propõe-nos uma infografia através da qual se mapifica toda a evolução dos sucessivos alargamentos da União desde 1952 até 2016. A infografia é consultável aqui (ver link) pelo que me limito a reproduzir três datas, o início, a data da nossa adesão com a Espanha e hoje. Visualizada assim, a magnitude dos sucessivos alargamentos é contundente e compreende-se como muito dificilmente um alargamento desta envergadura poderia ter gerado uma mais saudável relação entre o aprofundamento económico e político da União.


O aprofundamento da integração económica da União, balizada sobretudo pelo projeto do Mercado Único Europeu, não pode ser desligado dos rumos da globalização. Nesta perspetiva, a integração económica da União é uma espécie de globalização dentro da globalização. Ora, ao contrário do modo como foi “vendida”, a globalização está longe de ser um “céu para todos”, aplanador das diferenças e, na sua última fase, veja-se o célebre contributo do jornalista americano Thomas Friedman, uma globalização das pessoas com os mercados globais a proporcionarem a todos os indivíduos, onde quer que estejam, a maximização das suas potencialidades. Não. Como tenho vindo a insistir, a globalização não é um processo win-win. Há ganhadores e perdedores. Está por aí oculto mais ou menos este raciocínio. Vamos permitir que os ganhos de ascensão das classes médias nas economias emergentes, beneficiadas com o aprofundamento da globalização, se transformem em poderosos instrumentos de reivindicação da democracia e em agentes da transformação política desses países. Ora, esta transformação das classes médias ganhadoras em forças de transformação política tem-se revelado mais lenta do que o esperado por aquele argumento. Ou porque para algumas dessas economias não são líquidos os seus ganhos (caso do Brasil), ou porque a sua capacidade de influência política está mais interrogada do que o suposto (caso da China e de outras economias asiáticas). E, pelo contrário, os perdedores da globalização, nos quais se situam dominantemente as classes médias e as classes trabalhadores das economias mais avançadas, sem resposta para os seus problemas, começam a manifestar-se politicamente, não através dos mecanismos mais tradicionais de representação política, mas a alimentar os diferentes modelos e manifestações de populismo político.

É manifesto que esta dimensão da regulação dos efeitos da globalização económica e financeira não foram sendo acautelados com a transformação do edifício europeu para um número tão elevado de inquilinos. Por outro lado, à medida dos sucessivos alargamentos, as desigualdades de desenvolvimento intensificaram-se. Se todos os ideólogos do alargamento tivessem lido os pioneiros da economia do desenvolvimento, teriam compreendido que os mecanismos do comércio livre não produzem benefícios independentemente do estádio e dos problemas estruturais de desenvolvimento dos países envolvidos.

E voltamos ao trilema de RODRIK. Haverá condições para tecer de novo os rumos do alargamento, designadamente os mecanismos de regulação política necessários atendendo aos desiguais efeitos da integração económica aprofundada? Será por via de uma maior participação dos parlamentos nacionais que isso se consegue, como os ingleses têm reivindicado e que é também visível em algumas intervenções de José Pacheco Pereira? Ou será por uma significativa revisão das condições da integração política, com mais democracia nas instituições europeias.

Uma vitória do REMAIN talvez reforce a primeira. Uma vitória do LEAVE pode precipitar a desintegração, mais pelo impacto político do que pelo pretenso catastrofismo dos efeitos económicos.

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