(Reflexões
suscitadas em primeira linha pela exoneração dos Presidentes das CCDR do Norte
e do Algarve, mas que
integram argumentos que vêm de longe e que transcendem as tricas que
determinaram a decisão do Ministro do Planeamento)
Este post tem de ser escrito com
pinças. Várias razões contribuem para tais cuidados. Primeiro, durante alguns
anos, trabalhei como consultor da Presidência da CCDR Norte, partilhando
trabalho académico com essa função, percorrendo um caminho de colaboração
frutuosa com Presidentes como Luís Valente de Oliveira, José Peneda, Luís Braga
da Cruz. Nunca nesse período senti qualquer condicionamento na minha atividade
e na minha liberdade de pensamento das coisas regionais e territoriais.
Segundo, por razões profissionais tenho contactos frequentes com as CCDR. No
caso da CCDR Norte, praticamente que não tive qualquer interação com o
Presidente agora demitido, Professor Emídio Gomes. Santos da casa e da
proximidade não fazem milagres e pelos vistos o estilo das últimas Presidências
na CCDR é incompatível com a minha liberdade de espírito e de pensamento. Ainda
bem. No caso da CCDR Algarve, tenho tido pelo contrário nos últimos tempos
inúmeros pontos de contacto, embora não diretamente mas por força de outros
trabalhos realizados naquela Região. Não tenho qualquer problema em referir que
a impressão foi excelente e que nas condições de fortíssima atomização
institucional em que o Algarve tem mergulhado nos últimos tempos, sempre me
pareceu que a ação inicial do Engº David Santos foi positiva e defendendo de
facto a Região.
Comecemos pelas tricas.
A CCDR Norte vem já há algum tempo a ver degradada a sua reputação técnica,
a perder pensamento estratégico sobre a Região e a praticar processos de
distribuição de verbas dos Fundos Estruturais eivados de critérios bastante
discutíveis e sobretudo pouco transparentes sobretudo do ponto de vista do
confronto entre o que é anunciado e o que é posteriormente aplicado para
hierarquizar candidaturas. O caso que determinou a exoneração de Emídio Gomes é
um manual de arbitrariedades e de alterações de regras a meio do percurso. Os
municípios foram estimulados a elaborar Planos Estratégicos de Desenvolvimento
Urbano de modo a submeter as suas candidaturas de projetos para as áreas
urbanas da Região, sob certas expectativas e orientações para elaborar tais
documentos. A apreciação de tais documentos por parte da
CCDR-N foi realizada com base em critérios introduzidos posteriormente à submissão
das candidaturas, os projetos foram todos corridos com uma classificação
semelhante e a partir daí iniciou-se a trapalhada. Há claros indícios de que a
Presidência da CCDR-N tentou dividir para reinar e um conjunto de autarcas mais
determinados negociou diretamente com o Ministro do Planeamento e, tudo indica,
o resultado dessa negociação não foi aceite pela CCDR-N que fez de conta que não
existiu. A trica não me interessa para nada e estou a marimbar-me para uma eventual
clivagem entre autarcas da Área Metropolitana e de outras regiões. Tudo isso é
fruto de duas coisas que combinadas têm um efeito explosivo: por um lado, não há
qualquer ideia fundamentada sobre o modo de promover uma maior coesão
territorial na Região, sobretudo num contexto em que os temas da competitividade
territorial ganharam expressão e essa falência deve-se à CCDR-N; por outro
lado, a grande maioria dos autarcas da Região tem aguentado, não sei por que razão,
inúmeras e sucessivas incompetências dos serviços regionais, para não falar na
falta de transparência de critérios utilizados na alocação de verbas, parecendo
que preferem contactos por detrás da porta, o favor preferencial ou outra qualquer
forma informal de aceder ao pretendido. Cada vez mais se me enraíza a ideia de
que o Norte é uma ficção de protagonismos à procura de um texto orientador.
Quanto à exoneração do Presidente da CCDR Algarve, se bem que nos últimos
tempos se tenham evidenciado algumas formas de comunicação pouco transparente,
e feita à medida do interlocutor, com as Autarquias, ela parece dever-se à eleição
para a distrital do PSD por parte do Presidente da CCDR Algarve.
Mas o longo caminho para a irrelevância das CCDR começa bem mais longe do
que o eclodir destas intrigas e movimentações de bastidores. A progressiva
burocratização das instituições determinada pela gestão dos Fundos Estruturais
ao mesmo tempo que os serviços de planeamento e de produção de pensamento
regional foram sendo debilitados prenunciava algo nada promissor para a vitalidade
da coordenação regional. A sucessiva passagem pelas direções de personagens
menores do espectro partidário regional ou de personalidades em busca de uma
promoção de estatuto sem qualquer recomendação para o cargo apressou o inevitável.
Neste contexto, a ideia anunciada pelo PS de reforçar politicamente as CCDR
através da eleição do seu Presidente por parte dos autarcas parece tonta e creio
que irá multiplicar cenários como o que temos vivido de guerras pela repartição
dos Fundos.
O caminho para a irrelevância está traçado. E está bastante inclinado,
diga-se. O que é o mesmo que dizer que travá-lo será cada vez mais difícil.
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