(Breves reflexões
sobre as eleições locais em Itália e procura de regularidades com incorporação dos resultados em Espanha e
agora em Itália.)
Procurar regularidades
em processos políticos que exigem para ser plenamente compreendidos rigorosa
contextualização histórica e societária é tarefa árdua. A preocupação de isolar
o populismo a sul corresponde já à perceção de que a, norte, o fenómeno do populismo
político tem-se revestido de tons mais xenófobos, autoritários, de
extrema-direita, mobilizando as bandeiras do nacionalismo económico como
resposta ao afundamento observado e da emoção securitária do medo perante a
diferença do outro que entra pela porta dentro. É o caso da Áustria, da
Hungria, de alguns laivos na Eslováquia, do populismo conservador da Polónia,
claramente em França e na amálgama do UKIP e outras franjas de extrema-direita
no Reino Unido. É curioso que esse movimento a norte já penetrou no passado a
própria Itália, com os primeiros aparecimentos da Liga na Lombardia, com
pretensões manifestamente secessionistas.
A sul, a evidência tem
de ser captada em Espanha e em Itália, já que por Portugal, a desconformidade
entre o discurso da rua, dominante em alguns setores específicos da população
portuguesa, e a sua não expressão política exigirá por certo uma explicação
mais aprofundada. O balão de ensaio que o populismo de Marinho Pinto
representou revelou-se inconsequente (tudo tem acontecido para aquelas bandas)
e a emergência de José Manuel Coelho no Funchal é um aprendiz de feiticeiro
inconsequente face ao populismo de Alberto João. Tino de Rans é
também um fenómeno latente, mas não passa disso.
Temos pois as situações
de Espanha e Itália como matéria-prima de reflexão. O que mais me atrai a
atenção nestes dois casos é a possibilidade de jogarmos com o confronto entre a
expressão populista nos plano políticos central e local. De facto, quer o
PODEMOS em Espanha, quer o movimento Cinco Estrelas de Beppe Grillo em Itália
se apresentam nos dois planos.
No plano central,
contribuindo para estilhaçar o bipartidarismo político entre as forças
políticas que se sucedem, alternando, na governação. Nuns casos, é o socialismo
democrático que é penalizado (caso indiscutível da Espanha, em que a renovação
etária que trouxe Pedro Sánchez à direção do PSOE corre o risco sério de ser um
flop de todo o tamanho). Noutros, é antes o centro-direita que se esvai (caso
da Itália), ainda que possa dizer-se que o Cinco Estrelas constitui uma
incomodidade para a afirmação de Renzi.
As eleições locais no
passado domingo em Itália permitem completar o quadro comparativo. Em Espanha,
o PODEMOS não se apresentou como tal às eleições municipais espanholas. Antes
apoiou, com participação direta nuns casos e apenas indireta noutros, uma
grande diversidade de movimentos independentes, frequentemente com forte
ligação a militâncias ativistas marcadamente locais como é, por exemplo, o caso
de Ada Colau em Barcelona. O movimento MAREA que, salvo erro, conquistou as
cidades da Corunha e de Santiago de Compostela é um bom exemplo dessa
diversidade, que fez praticamente desaparecer do mapa o Bloque Nacionalista
Galego. A figura de Carmena em Madrid é um outro exemplo e em Valência para
completar o quadro é talvez o caso em se observa um maior potencial de
cooperação entre o PSOE e essas forças. O que parece caracterizar todo o
movimento que gira em torno do PODEMOS a nível local é a sua fortíssima
inorganicidade, com grande dependência das personalidades que lideram esses
executivos. Ada Colau em Barcelona é talvez o caso mais flagrante dessa
tendência e não é de enjeitar que estejamos perante alguém que tem pretensões
políticas que vão para além da liderança de um amplo movimento de massas, com
experiência no ativismo local.
A expressão deste
fenómeno nas eleições locais em Itália não é tão avassaladora como em Espanha,
mas a conquista de cidades como Roma ou Turim granjeia-lhe presença mediática
forte. Um desatinado Jerónimo de Sousa diria que Virginia Raggi e Chiara
Appendino são duas carinhas larocas e que não passam disso, mas eu aconselharia
mais atenção ao que estas duas mulheres poderão vir a representar na cena
política italiana. A Itália do Centro, um dos berços do pensamento da
social-democracia italiana, parece ter resistido. Se a vitória em Roma não me
espanta por aí além já que o caos romano e as teias de corrupção que passaram
por ali são o combustível adequado para o populismo incendiário do 5 Estrelas,
já a vitória em Turim, embora por menor diferença, é para mim a grande
expressão de novidade do passado domingo, dada a natureza e perfil do Piemonte
e da sua cidade-central.
Parece assim poder
concluir-se que o populismo ativista e em grande parte antissistema político em
Espanha e Itália parece ter encontrado no poder local um ambiente mais
favorável ao exercício do poder. Há razões para isso. As cidades
transformaram-se num complexo sociocultural e multiétnico para o qual as forças
políticas mais tradicionais têm manifestado fraca capacidade de entendimento e
de reformulação da prática política de proximidade. Para além disso, no plano
local, as evidências da corrupção são de mais fácil deteção e este tipo de
populismo precisa da corrução para se afirmar como alternativa moralizadora.
Nesta perspetiva, a passagem do populismo ativista pelo poder no plano local
acaba por ser um trampolim para mais altos voos. Mais tarde ou mais cedo os
problemas da proximidade nas Cidades vão transformar-se em temas políticos
nacionais já que é aí que se concentra a população votante.
Onde estarão
eventualmente os riscos de desagregação destas experiências? Primeiro, nas
personalidades liderantes. Haverá egos mais potencialmente desagregáveis a
prazo do que outros e a inorganicidade pode matar a prazo boas intenções de
governação. Segundo e mais importante, na incapacidade que estes movimentos
podem revelar para dominar a tecnicidade de alguns problemas típicos das
grandes concentrações urbanas. Em muitos casos, a engenharia da concentração
urbana não se resolve apenas com fórmulas inovadoras de ativismo urbano, por
mais importantes que estas possam revelar-se em temas como, por exemplo, as
questões sociais. Mas em domínios como os transportes e a mobilidade, as
infraestruturas básicas, a poluição de vários tipos a tecnicidade não pode ser
escamoteada.
De qualquer modo, é
fenómeno que dificilmente pode ser considerado como episódico e efémero. Estará
aí para durar e esse é na minha perspetiva o grande desafio da social-democracia
e do socialismo democrático.
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