segunda-feira, 20 de junho de 2016

HÁ REGULARIDADES NO POPULISMO A SUL?




(Breves reflexões sobre as eleições locais em Itália e procura de regularidades com incorporação dos resultados em Espanha e agora em Itália.)

Procurar regularidades em processos políticos que exigem para ser plenamente compreendidos rigorosa contextualização histórica e societária é tarefa árdua. A preocupação de isolar o populismo a sul corresponde já à perceção de que a, norte, o fenómeno do populismo político tem-se revestido de tons mais xenófobos, autoritários, de extrema-direita, mobilizando as bandeiras do nacionalismo económico como resposta ao afundamento observado e da emoção securitária do medo perante a diferença do outro que entra pela porta dentro. É o caso da Áustria, da Hungria, de alguns laivos na Eslováquia, do populismo conservador da Polónia, claramente em França e na amálgama do UKIP e outras franjas de extrema-direita no Reino Unido. É curioso que esse movimento a norte já penetrou no passado a própria Itália, com os primeiros aparecimentos da Liga na Lombardia, com pretensões manifestamente secessionistas.

A sul, a evidência tem de ser captada em Espanha e em Itália, já que por Portugal, a desconformidade entre o discurso da rua, dominante em alguns setores específicos da população portuguesa, e a sua não expressão política exigirá por certo uma explicação mais aprofundada. O balão de ensaio que o populismo de Marinho Pinto representou revelou-se inconsequente (tudo tem acontecido para aquelas bandas) e a emergência de José Manuel Coelho no Funchal é um aprendiz de feiticeiro inconsequente face ao populismo de Alberto João. Tino de Rans é também um fenómeno latente, mas não passa disso.

Temos pois as situações de Espanha e Itália como matéria-prima de reflexão. O que mais me atrai a atenção nestes dois casos é a possibilidade de jogarmos com o confronto entre a expressão populista nos plano políticos central e local. De facto, quer o PODEMOS em Espanha, quer o movimento Cinco Estrelas de Beppe Grillo em Itália se apresentam nos dois planos.

No plano central, contribuindo para estilhaçar o bipartidarismo político entre as forças políticas que se sucedem, alternando, na governação. Nuns casos, é o socialismo democrático que é penalizado (caso indiscutível da Espanha, em que a renovação etária que trouxe Pedro Sánchez à direção do PSOE corre o risco sério de ser um flop de todo o tamanho). Noutros, é antes o centro-direita que se esvai (caso da Itália), ainda que possa dizer-se que o Cinco Estrelas constitui uma incomodidade para a afirmação de Renzi.

As eleições locais no passado domingo em Itália permitem completar o quadro comparativo. Em Espanha, o PODEMOS não se apresentou como tal às eleições municipais espanholas. Antes apoiou, com participação direta nuns casos e apenas indireta noutros, uma grande diversidade de movimentos independentes, frequentemente com forte ligação a militâncias ativistas marcadamente locais como é, por exemplo, o caso de Ada Colau em Barcelona. O movimento MAREA que, salvo erro, conquistou as cidades da Corunha e de Santiago de Compostela é um bom exemplo dessa diversidade, que fez praticamente desaparecer do mapa o Bloque Nacionalista Galego. A figura de Carmena em Madrid é um outro exemplo e em Valência para completar o quadro é talvez o caso em se observa um maior potencial de cooperação entre o PSOE e essas forças. O que parece caracterizar todo o movimento que gira em torno do PODEMOS a nível local é a sua fortíssima inorganicidade, com grande dependência das personalidades que lideram esses executivos. Ada Colau em Barcelona é talvez o caso mais flagrante dessa tendência e não é de enjeitar que estejamos perante alguém que tem pretensões políticas que vão para além da liderança de um amplo movimento de massas, com experiência no ativismo local.

A expressão deste fenómeno nas eleições locais em Itália não é tão avassaladora como em Espanha, mas a conquista de cidades como Roma ou Turim granjeia-lhe presença mediática forte. Um desatinado Jerónimo de Sousa diria que Virginia Raggi e Chiara Appendino são duas carinhas larocas e que não passam disso, mas eu aconselharia mais atenção ao que estas duas mulheres poderão vir a representar na cena política italiana. A Itália do Centro, um dos berços do pensamento da social-democracia italiana, parece ter resistido. Se a vitória em Roma não me espanta por aí além já que o caos romano e as teias de corrupção que passaram por ali são o combustível adequado para o populismo incendiário do 5 Estrelas, já a vitória em Turim, embora por menor diferença, é para mim a grande expressão de novidade do passado domingo, dada a natureza e perfil do Piemonte e da sua cidade-central.

Parece assim poder concluir-se que o populismo ativista e em grande parte antissistema político em Espanha e Itália parece ter encontrado no poder local um ambiente mais favorável ao exercício do poder. Há razões para isso. As cidades transformaram-se num complexo sociocultural e multiétnico para o qual as forças políticas mais tradicionais têm manifestado fraca capacidade de entendimento e de reformulação da prática política de proximidade. Para além disso, no plano local, as evidências da corrupção são de mais fácil deteção e este tipo de populismo precisa da corrução para se afirmar como alternativa moralizadora. Nesta perspetiva, a passagem do populismo ativista pelo poder no plano local acaba por ser um trampolim para mais altos voos. Mais tarde ou mais cedo os problemas da proximidade nas Cidades vão transformar-se em temas políticos nacionais já que é aí que se concentra a população votante.

Onde estarão eventualmente os riscos de desagregação destas experiências? Primeiro, nas personalidades liderantes. Haverá egos mais potencialmente desagregáveis a prazo do que outros e a inorganicidade pode matar a prazo boas intenções de governação. Segundo e mais importante, na incapacidade que estes movimentos podem revelar para dominar a tecnicidade de alguns problemas típicos das grandes concentrações urbanas. Em muitos casos, a engenharia da concentração urbana não se resolve apenas com fórmulas inovadoras de ativismo urbano, por mais importantes que estas possam revelar-se em temas como, por exemplo, as questões sociais. Mas em domínios como os transportes e a mobilidade, as infraestruturas básicas, a poluição de vários tipos a tecnicidade não pode ser escamoteada.

De qualquer modo, é fenómeno que dificilmente pode ser considerado como episódico e efémero. Estará aí para durar e esse é na minha perspetiva o grande desafio da social-democracia e do socialismo democrático.

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