(Com a devida vénia ao Financial Times)
(Como previa, a
entrada de Dani Rodrik no debate sobre o BREXIT, juntamente com o pronunciamento
de Ambrose Evans-Pritchard, elevou
o nível da discussão e algumas réplicas merecem tratamento)
Tal como referi no meu último
post, a aplicação do trilema de RODRIK à questão do BREXIT suscita a seguinte
questão: pressupondo que a construção europeia prossegue o ritmo de integração
económica exigida pela globalização com a mesma intensidade, a preservação da
democracia exige a superação dos limites do Estado-nação e a criação de uma democracia
transnacional europeia. O contrário seria também acolhido pelo trilema: para manter
o mesmo ritmo de integração e o Estado-nação a democracia estaria em perigo. Como
é óbvio, haveria ainda que considerar a terceira possibilidade: recuar no processo
de integração económica.
No argumento de Rodrik
está implícita a ideia de que os parlamentos nacionais, embora com ponderação
da dimensão nacional dos países, estão limitados para gerir as questões da
globalização e daí a necessidade de criação de mecanismos de integração política,
aquilo a que Rodrik chama a democracia transnacional, superando os limites do
Estado-nação.
Brad DeLong entra no debate centrando-se no argumento de que o problema da Europa não consiste em
ter pouca democracia. Invoca para isso o pronunciamento democrático em
Portugal, Espanha e Grécia que apoiou a permanência na União e no Euro apesar
da penosidade dos respetivos ajustamentos. E também, embora de sentido contrário,
o pronunciamento democrático na Alemanha de Merkel segundo o qual a posição
dominante é defender a austeridade a todo o custo. A ideia de DeLong é a de
estarmos perante matérias do foro da boa ou da má governação económica. E se
nos quisermos basear nos contributos que a macroeconomia nos pode proporcionar
então chegaríamos à conclusão de que temos uma má governação económica em matéria
fiscal, a pretexto de uma fobia inflacionária que não encontra na realidade
atual nenhuma base sólida para imaginarmos que possa emergir a curto prazo.
Interrogando-se sobre a
história económica, DeLong afirma que Harry Dexter White e John Maynard Keynes,
bons democratas, se fossem chamados hoje a emitir opinião não diriam que os
problemas da Europa resultam de falta de democracia, mas antes de uma entidade global,
um outro FMI, que regulasse a situação.
A questão não é assim tão
simples. Temos parlamentos nacionais a pronunciar-se divergentemente, manifestando
a partir de situações estruturais internas muito diferenciadas o mesmo
pronunciamento de permanência no Euro (não será de enjeitar pelo rumo dos
acontecimentos alterações nesta matéria). E temos uma governação económica da
União que não está à altura da gravidade dos problemas a resolver. O Parlamento
Europeu é ainda mais o prolongamento de quadros políticos nacionais (as
europeias tendem a ser frequentemente armas de arremesso político contra as
governações em exercício) do que propriamente uma representação estruturada em
torno da dimensão europeia dos problemas. Os equilíbrios políticos na União estão
cada vez mais reféns das condições que os alemães colocaram para deixar avançar
o impulso que os franceses pretenderam dar com a criação do Euro. Dificilmente
abdicarão dessas condições, pelo menos enquanto o eleitorado alemão permanecer fiel
aos seus princípios. Com estes sinais, uma construção mais democrática da
integração política dificilmente será viável com escrutínio democrático sério
por parte dos parlamentos nacionais. O fogo dos nacionalismos não resulta
apenas do agravamento da situação económica e social dos países membros. Ele
também tem origem na falta de escrutínio democrático da Comissão Europeia e
sobretudo de entidades que não têm inclusivamente existência nos tratados, caso
do Eurogrupo. Mas Simon Wren-Lewis tem razão quando refere que algumas das
decisões do Eurogrupo e respetivas sequelas resultam de posições de ministros
das Finanças assumidas em função do pronunciamento dos respetivos eleitorados. A
democracia está assim presente, indiretamente e tudo a meu ver resulta de uma
construção feita sem preparação decisiva dos eleitorados e opiniões públicas
nacionais.
Resumindo, o trilema de
Rodrik constitui um instrumento poderoso de análise. A sua transposição para a
arte da decisão estará sempre dependente do trabalho político minucioso de
fazer cair um dos seus três pilares e de uma governação económica que se
aproxime mais do que a macroeconomia de uma união económica e monetária nos
ensina. Mas qual dos pilares deve cair? Na encruzilhada da globalização, o mais
provável é a revisão dos rumos do aprofundamento económico e financeiro. Uma
nova perspetiva sobre os mecanismos de circulação do capital é necessária e a
interrupção de uma vez por todas da louca desregulamentação do sistema
financeiro. Mas um novo Bretton Woods é necessário, embora não seja fácil
vislumbrar os Keynes do nosso tempo para o construir.
Já no caso da integração
europeia não serei tão convincente na escolha do pilar que cai, podendo talvez
exigir-se pequenas e graduais transformações dos três pilares em simultâneo. Mas
isso já convoca outras reflexões e capacidades.
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