quarta-feira, 29 de junho de 2016

BREXITO RÉPLICAS




(Quis o destino que a confluência do referendo britânico e das eleições plebiscitárias em Espanha num espaço de três dias agitasse as coisas, mas o mais dramático é que cada vez mais se enraíza em nós a ideia de que as atuais lideranças políticas não estão, para nossa desgraça, à altura das circunstâncias)

A combinação da ambição desmedida dos meninos conservadores provenientes da upper class e de Eaton com o mais profundo desencanto de largas franjas da working class britânica, acelerada pelo isolacionismo de sempre da Little England, revelou-se explosiva. A desorientação entre as hostes conservadoras que votaram por esta combinação explosiva é perfeitamente patética. Mais parecem adolescentes à solta que fizeram estragos e hesitam em recorrer aos papás e às mamãs para resolver o problema. Não é visível qualquer perspetiva coerente de implementação de uma estratégia de saída. Do lado trabalhista, a liderança do sisudo Corbyn desfaz-se como se de um castelo de cartas instável se tratasse, pagando o preço de uma campanha merdosa e não convincente a favor do REMAIN. Mas do lado europeu a sinfonieta desafinada ainda vai no adro. Encontros parcelares por todos os lados e feitios, acelerar as negociações para uns, retardar para outros (para recuperar do choque ou simplesmente para que os interesses económicos organizados se posicionem?). Uma desenfreada cacofonia instala-se. Quanto mais fraca é a liderança de rumo mais vozes se esganiçam e adivinha-se o pior em termos de adicionar às incertezas deflacionárias e da estagnação secular esta outra incerteza em que o cálculo económico vai parar para ver qual vai ser o efeito maior. Não desdenharia que os americanos se cansassem de tanta irresponsabilidade e que viessem por aí para puxar as orelhas e colocar nos eixos toda esta desenfreada irresponsabilidade, isto se Trump não incendiar a questão. Deus nos valha se isso acontecesse.

Com esta confluência do BREXIT e das eleições espanholas, há quem, embora sem evidência fundamentada, afirme que as eleições espanholas trouxeram a primeira derrota do populismo após o referendo britânico. Se se confirmar esta influência nas eleições espanholas, Rajoy e o PSOE, à sua maneira e por razões diversas, bem podem agradecer à irresponsabilidade da combinação explosiva britânica. Rajoy, com aquele carisma de arrebatar multidões que o caracteriza, ganha as eleições, ganhando votos aos seus principais adversários, dando cabo entre coisas da esperança de modernidade que o CIUDADANOS representava, perdendo esta força política pau e bola, ou seja, desce na Catalunha da sua origem e é cada vez menos alternativa ao PP. Pedro Sánchez sustém o eventual sorpasso do PODEMOS, mas não trava a descida histórica do partido, a precisar de uma cura prolongada, de oposição, claro. A situação do PSOE é pungente. Susana Diáz, grande adversária de Sánchez, fica na história perdendo a Andalúcia e isso retira-lhe praticamente margem de manobra para protagonizar uma candidatura alternativa à liderança do partido. Como já aqui referi, há quem fale na experiência de Patxi López como alternativa, mas por agora é pura nebulosidade.

Por agora ficamos com os inúmeros juízos interpretativos sobre o BREXIT, cuja proliferação em catadupa domina claramente a blogosfera económica e política dos últimos dias.

Alguns exemplos, todos com publicação no Project Syndicate:


  • George Soros (link) traz-nos a perspetiva do globalizador financeiro, que aproveita a embalagem para exigir uma reforça aprofundada da zona euro, com união bancária até ao fim, progressos limitados na união fiscal e mais accountability democrática. Ele lá sabe as linhas com que faz os seus negócios;

  • A voz autorizada de Chris Patten (link) é talvez o mais citado, sobretudo pela invocação do aforismo de Churchill: “o problema de cometer suicídio político é que se vive para o lamentar”. Cameron provou-o com sabor amargo:

  • Kenneth Rogofff (link) vem surpreendente mas fundamentadamente preocupar-se com a debilidade de representatividade democrática de referendos como o do BREXIT, sobretudo atendendo à dimensão dos danos que pode causar;

  • Mark Leonard (link) é mais radical quando compara o jogo dos referendos a uma roleta russa política, invocando a subida da vetocracia e, imaginem, acabando com a metáfora da jangada (península) que se desprende;

  • Harald James (link), um dos meus historiadores preferidos da globalização, refere que o BREXIT foi também uma revolta (bem sucedida?) contra o mundo dos experts económicos, que se fartaram de alertar, por vezes demagogicamente, para os custos económicos do LEAVE, para além de dar conta da onda progressiva que gerou o BREXIT.


E não ficaremos por aqui.

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