(Aproveito a
boleia do felicíssimo título de Duncan Robinson no Financial Times, para uma última reflexão sobre o referendo
britânico)
Não vou discutir se o
referendo do BREXIT foi ou não apropriado. Estou inclinado a pensar que ele foi
mais o resultado de um tortuoso Cameron, do que propriamente da pressão
irresistível dos eurocéticos ou dos ilho- descontentes com os rumos da União
Europeia. Tortuoso porque Cameron terá pretendido a célebre jogada do dois em
um, ou seja, tentar sossegar a frente interna e simultaneamente ganhar força
negocial junto das instâncias europeias.
Nos tempos que correm,
com a comunicação social decente a viver dias muito difíceis, um referendo
suscita todos os fantasmas possíveis da demagogia. O assassinato de Jo Cox mostra
que o fanatismo político tenderá a ser um mal endémico das sociedades,
progressivamente disseminado.
Não morrendo de amores
pelo conservadorismo britânico e pelo isolamento que cultivam, que a livre
circulação das culturas pelo mundo condena ao fracasso futuro, não posso deixar
de reconhecer que a União Europeia será menos democrática com uma eventual
saída do Reino Unido. Entendamo-nos. Dada a desconfiança intrínseca relativa à
mais do que utópica integração política da União em contexto de solidariedade
para com os países menos poderosos, a permanência de um país que não faz letra
morta do seu Parlamento é, paradoxalmente, uma garantia de democraticidade.
Este meu argumento não ignora que o Reino Unido, com moeda própria forte e
mesmo assim prosseguindo uma desproporcionada política orçamental de
austeridade em condições de financiamento muito favorável, constituiu
indiretamente um aliado da errada gestão macroeconómica do pós crise 2007-2008
que tem prevalecido na União. Mas a inépcia do Labour determinou que tal
política fosse validada em eleições por larga margem. Ainda assim, em profundo
desacordo com tal orientação, a presença do Reino Unido garante que a hegemonia
alemã seja mais contida. A França hoje está condenada ao universo da retórica, assoberbada
que está com os seus próprios problemas de encontrar um lugar na globalização.
Sei que com esta posição
entro em colisão com posições de economistas que bem prezo e que se têm
destacado na desmontagem dos erros e falência da gestão macroeconómica do Euro.
Paul de Grauwe dizia que seria preferível ter o Reino Unido fora do que dentro,
pois nesta situação ele utilizaria todos os argumentos possíveis para ajustar a
União às suas pretensões, minando o completamento do edifício da União
Económica e Monetária. O argumento de De Grauwe é válido se acreditarmos que há
condições nos próximos 20 anos para fazer avançar esse edifício e a integração
política numa lógica não hegemonizante da Alemanha. Estou cada vez mais cético
em relação a essa possibilidade e por isso a presença na União de países que
contrabalancem a posição alemã é desejável. No contexto em que estamos, mais
vale que o processo europeu não corte os laços com os parlamentos nacionais. E
que as eleições europeias se projetem no eleitorado com temas efetivamente
europeus e nos efeitos que diferentes opções a esse nível tendem a provocar nas
sociedades nacionais.
Sem comentários:
Enviar um comentário