quinta-feira, 23 de junho de 2016

O DIA B




(Aproveito a boleia do felicíssimo título de Duncan Robinson no Financial Times, para uma última reflexão sobre o referendo britânico)

Não vou discutir se o referendo do BREXIT foi ou não apropriado. Estou inclinado a pensar que ele foi mais o resultado de um tortuoso Cameron, do que propriamente da pressão irresistível dos eurocéticos ou dos ilho- descontentes com os rumos da União Europeia. Tortuoso porque Cameron terá pretendido a célebre jogada do dois em um, ou seja, tentar sossegar a frente interna e simultaneamente ganhar força negocial junto das instâncias europeias.

Nos tempos que correm, com a comunicação social decente a viver dias muito difíceis, um referendo suscita todos os fantasmas possíveis da demagogia. O assassinato de Jo Cox mostra que o fanatismo político tenderá a ser um mal endémico das sociedades, progressivamente disseminado.

Não morrendo de amores pelo conservadorismo britânico e pelo isolamento que cultivam, que a livre circulação das culturas pelo mundo condena ao fracasso futuro, não posso deixar de reconhecer que a União Europeia será menos democrática com uma eventual saída do Reino Unido. Entendamo-nos. Dada a desconfiança intrínseca relativa à mais do que utópica integração política da União em contexto de solidariedade para com os países menos poderosos, a permanência de um país que não faz letra morta do seu Parlamento é, paradoxalmente, uma garantia de democraticidade. Este meu argumento não ignora que o Reino Unido, com moeda própria forte e mesmo assim prosseguindo uma desproporcionada política orçamental de austeridade em condições de financiamento muito favorável, constituiu indiretamente um aliado da errada gestão macroeconómica do pós crise 2007-2008 que tem prevalecido na União. Mas a inépcia do Labour determinou que tal política fosse validada em eleições por larga margem. Ainda assim, em profundo desacordo com tal orientação, a presença do Reino Unido garante que a hegemonia alemã seja mais contida. A França hoje está condenada ao universo da retórica, assoberbada que está com os seus próprios problemas de encontrar um lugar na globalização.

Sei que com esta posição entro em colisão com posições de economistas que bem prezo e que se têm destacado na desmontagem dos erros e falência da gestão macroeconómica do Euro. Paul de Grauwe dizia que seria preferível ter o Reino Unido fora do que dentro, pois nesta situação ele utilizaria todos os argumentos possíveis para ajustar a União às suas pretensões, minando o completamento do edifício da União Económica e Monetária. O argumento de De Grauwe é válido se acreditarmos que há condições nos próximos 20 anos para fazer avançar esse edifício e a integração política numa lógica não hegemonizante da Alemanha. Estou cada vez mais cético em relação a essa possibilidade e por isso a presença na União de países que contrabalancem a posição alemã é desejável. No contexto em que estamos, mais vale que o processo europeu não corte os laços com os parlamentos nacionais. E que as eleições europeias se projetem no eleitorado com temas efetivamente europeus e nos efeitos que diferentes opções a esse nível tendem a provocar nas sociedades nacionais.

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